quinta-feira, 19 de abril de 2012

CASA VELHA



Com os olhos fechados a vejo.
Não sei se quimera ou memória.
Sei que é bom não saber. Arte feita dentro da alma.
Uma casa velha, adobes descobertos, de caiadura branca,
Rota,
Amarela...
Tem janelas abertas,
Aberta, uma porta para a terra vermelha,
Estrada vermelha,
Poeira e lama, sol e chuva.
É vazia,
A pungente solidão da inutilidade.
Não há gritos, há flores vagabundas aqui e ali..
Presença!
Se essa casa é imagem ou memória é-me uma legítima incógnita.
Deixa sair pelas velhas janelas o vento do encanto do cerrado,
Colhendo os cheiros da mangaba, da pitanga e do araticum......
Indo por sua porta, a estrada vermelha,
Cantando as flores desejadas pelo Bem-te-vi,
Pássaro preto, Juriti,
João bobo...
Bobo na minha quimera!
Lembro da chuvarada no meio do sol, o precioso cheiro da terra,
A água escorrendo corpo afora...
Vejo quem busca essa casa. É deserta.
Noite morna do fogão de lenha,
Estrelas sem fim numa noite comum.
É a presença do eu menino. Lá estive quando menino?
Está na beira do estradão...
E ouço os gritos infantis, correndo,
Vem pela estrada,
Há uma menina sarando de osso quebrado, outros que riem...
Entram na casa,
O enorme araticum é abraçado,
Sentado no chão,
Chão batido, comilança!
Quimera!
Tudo é vazio e solidão,
Silêncio.
A casa está só. É fugaz.
Que solidão tem essa memória?
Uma casa velha, plantada na estrada,
Desfazendo-se num canto indigente do cerrado...
Quando lá me vejo,
Eu não sou,
É o que já fui, alma de menino,
Que ainda hoje,
Não sei se lá estive.

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

sábado, 31 de março de 2012

Que País é esse?



É fato que o Brasil melhorou. Há que se considerar pelo menos dois aspectos relevantes nesse processo: melhorou na qualidade financeira e na educação. Nas finanças, basta ver as estatísticas referentes à venda de carros e a construção de casas novas. Nesse ponto verifica-se uma onda de melhoria. É certo dizer que a casa própria e o carro novo sejam um símbolo dessa melhora. O segundo aspecto, que é a educação, mesmo sendo alvo de justas críticas, também melhorou. É possível encontrar sinais disso na escola pública de ensino fundamental e médio e no acesso de muitas pessoas ao ensino superior. É, então, justo afirmar que a educação apresenta sinais de progresso.
Porém, nem tudo são rosas. É doloroso lançar um olhar critico ao país. São inúmeras as feridas que mancham a perspectiva alvissareira mencionada anteriormente. Cita-se aqui apenas algumas, na esperança de que o simples externar delas possa ser um remédio, ainda que ínfimo. Veja, por exemplo, a cultura. É um problema que não se refere apenas à falta de investimentos oficiais, visto que seu maior efeito corrosivo está na proliferação de coisas banais, rudes, que se apresentam como “arte”. Exemplo disso é a vulgaridade do funck, do sertanejo universitário, dos mega salários dos jogadores de futebol e tantas outras. E, então um mal coletivo. Que país é esse que Poe mais gente na faculdade e que elege Michel Teló como ídolo? Nessa mesma linha encontramos a exuberância de um país que apodrece na corrupção de líderes políticos, que desrespeitam a lei e se valem do conceito de “ser esperto”. Essas são apenas pequenos vislumbres de um país oculto que morre de dentro para fora.
Que país é esse? É claro que valores e ética não são irmãos gêmeos da educação e das finanças, mas deveria, no mínimo, andar de mãos dadas. Esse é o país crescente, porém, doente pela falta dessas coisas suplementares. Elementares? Dinheiro e escola.


Eliel Eugênio de Morais
Pastor

quinta-feira, 22 de março de 2012













ENTRE ESTEVÃO E A CHAPADA

O livro de Atos me pareceu, de repente, nostálgico, uma linha poética de uma coisa surpreendente e que pode ser perdida. O martírio de Estevão é, contraditoriamente, triste e belo. Triste pela morte dolorosa, mas, belo pela liberdade exuberante de seu ato. É aí que o livro fica nostálgico, em sua liberdade apavorante e convidativa. Tive as duas coisas e me explico.
Atos ficou assim por conta do ocorrido numa conferência recente da Missão em Goiás. Supliquei um encontro com os antigos do Renascer, aqueles que partilharam a primeira semente e sonharam as primeiras fagulhas. Éramos como Estevão, “martírios” no último ano da faculdade de teologia, plantadores de liberdade... Ah, que liberdade foi aquela, em que canto de nossas almas se escondeu? Hoje todos são pastores, todos rindo, falando, lembrando... Mas os olhos deles, ah, os olhos! Esses denunciaram um Estevão mártir esperneando dentro de nossas condutas domesticadas. Foi o encontro mais belo e dorido que já tive. Ainda somos “Estevão”... Comemos, rimos e nos olhamos, mas ele estava lá, flertando com nossas almas. Supliquei que voltassem a sonhar, onde foi parar a gritante liberdade dos primeiros sonhos? Quem nos domesticou? E para que?
No caminho de volta, ainda com o pensamento digladiando com a martiria e a domesticação, passamos por Vila Boa, só para me insinuar um pouco mais com a poesia. De lá, seguimos para a Chapada dos Guimarães, o meio do caminho, lugar para dormir antes de seguirmos para Rondônia. Lá, voltei à dialética com Estevão. Era o fim da tarde e fomos mostrar a uma amiga o mirante da Chapada. O horizonte azul, as serras azuis, lembranças azuis... E, lá em baixo, não sei há quantas centenas de metros, um cinturão verde coberto por uma nuvem branca. No começo pensei que fosse água, depois ela se moveu tocada por uma brisa, como um gigantesco floco de algodão subindo as encostas do penhasco até chegar onde estávamos. Bela, gentil e tranqüila, nos envolveu. Gritamos de alegria e espanto. A beleza espanta e acorda a alegria dormente. Como podia haver beleza tal? De repente era noite dentro dela e frio. Durou poucos minutos, mas o suficiente para se eternizar, dessas coisas que suplantam a cronologia e ficam pela marca que fez, como um poema ou uma tela, quem sabe um cochicho de terra mui remota.
Foi assim que ouvi os cochichos do livro de Atos, duas coisas numa só. A reunião dos endividados pela domesticação, mas livres e apaixonados pela martiria, é a mesma coisa acontecida na Chapada. Ambas vêm de Deus. A experiência no penhasco pode ser uma profecia do que foi e do que virá: uma liberdade imensurável, eternizada na intimidade com o Espírito Santo. Afinal, somos mesmo menos estragados como flores silvestres do que como plantas de jardins. A chapada (e os olhos) mostrou quanta grandeza pode haver em poucos minutos de liberdade (martiria?), ainda mais quando esses podem se eternizar. Pastor domesticado é planta de jardim, coisa para se ter dó, nunca terão o que teve aquelas minúsculas flores no penhasco. As coisas se eternizam na experiência (beleza) e não na educação, essa invisível dívida (beleza) entre Estevão e a Chapada.

Paz e a gente se encontra pelas entrelinhas de Atos e as nuvens perdidas da Chapada dos Guimarães...

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

sexta-feira, 16 de março de 2012




Susto na Trilha
Para falar de apaixonar e desapaixonar





Lá se vão alguns anos... Tempo de uma gritante liberdade! O dia morria e eu caminhava rápido pela trilha no meio da floresta boliviana ribeirinha. Estava só e cismado. Ouvira muitas histórias de onças por aquelas bandas. Era nossa última tarde dos vinte e tantos dias que passamos naquele pequeno povoado. Não me lembro porque eu estava só, sei que a hora me surpreendeu e vi a noite se aproximando, então, corri, temendo a escuridão e as onças...
Ah, lá se vai muito tempo!... Tempo de um grupo de jovens que deixaram sua terra e vieram aventurar-se nas florestas do Guaporé, procurando vidas para partilhar fé e amor. Eu pensava nessas coisas e apressava o passo temendo as sombras e os bichos. Foi sob imensas mangueiras plantadas na beira do caminho, bem onde a penumbra cobria as ultimas réstias de luz, que despencou do alto da galhada, bem à minha frente, uma figura humana. Eu, paralisado pelo susto, e, ele, cabelos lisos, peito nu, olhos costurados... Um Colha, pernas trôpegas ao baile da cachaça...
Despencou em minha frente... Porém, tinha olhos súplices e abriu a boca, dela vieram palavras carregadas de um hálito horrível (humano) e de um pesar maior que a escuridão que eu temia. “por que não posso livrar-me da cachaça”? Perguntava ele no castelhano típico do interior da Bolívia. Eu respondia no melhor do espanhol aprendido nos bancos da faculdade (quanta diferença daquilo que era falado ali). Ele insistiu na pergunta por três ou quatro vezes “Por que não posso livrar-me”? Eu já ficava temeroso e rebuscava o máximo do castelhano que podia... Foi quando o Espírito Santo sussurrou aos meus ouvidos: “Fale com ele sobre paixões”!
Ah, que palavra dolorosa, de tanto tempo e tantas pessoas!... A verdade brutal daquele homem é a mesma de todas as pessoas, de qualquer raça, credo ou localização geográfica. Amado e perdido. Não há distinção de classe social, cultural ou tradições. Todas as pessoas sofrem do mesmo mal. Aquele ribeirinho não se libertava pelo mesmo motivo dos tantos escravos que vejo hoje: ele estava apaixonado pelo seu algoz! Que verdade insana e que paradoxal isso é, amar o que lhe mata. De que valia eu dizer que a cachaça era amante ingrata , que abraça de um lado e apunhala do outro? De que vale dizer isso ao adúltero, ao que mente, ao ressentido, o ciumento (a lista não tem fim)... Que essas práticas são prostitutas, engambelam de um lado e estraçalham do outro... De que adianta se as pessoas estão apaixonadas por elas? Como é custoso desapaixonar alguém!
Falei dos desejos com aquele homem. Ouviu-me, chorou e, naquela ultima noite, decidiu tornar-se cristão. Ainda estava bêbado, é verdade, e nunca mais o vi. Porém, se ele tinha o mesmo “problema” de todos os humanos, tinha também a extraordinária possibilidade de cura. É possível desapaixonar... Que conceito exuberante! É que a vontade de Deus é o reencontro da pessoa consigo mesma e a restauração da chaga cancerosa produzida pela paixão prostituta, fazendo a pessoa encontrar o amor. Aí a coisa é verdadeira: Cristo. Assim é, apaixonar-me pelo que me trás vida e não pelo que a rouba de mim.
Ah, tempo de lindas paixões aquele... E quanta vida me deu!

Paz e a gente se encontra pelos sustos que a vida nos causa!


Eliel Eugênio de Morais
Pastor

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011



A MÚSICA

Música, música...
E mais música...
Para alguns, a música é uma “besteira”, uma coisa que não dá para se viver perto dela. Já, para outros, a música é “vida”, a fórmula para se viver bem.
Há muitas coisas boas e ruins por trás das músicas. Há prazer, dinheiro, amor, impureza, etc.
O tempo vai passando e o gosto mudando e, nesse mesmo circuito, o estilo também muda. Há coisas que um adolescente de dezesseis ou dezessete anos não vê na música, mas uma criança de dez anos vê e sente com clareza.
Não basta só escutar a música, é preciso senti-la no coração!


Débora Rafael de Morais

terça-feira, 13 de dezembro de 2011






Filosofia de cabeça para baixo
Uma perspectiva do tempo...



Eu olhava o mundo de cabeça de para baixo. Ele me parecia imenso visto daquela maneira, o tempo se insinuava longo, o futuro distante, dias imensuráveis, o fim deles, inimaginável. Eu era um menino com a cabeça enfiada por entre as pernas vendo o mundo às avessas e cogitando uma adultice inatingível.
Lá se vão quatro décadas desde aquela filosofia de menino de cabeça para baixo. O problema é que a adultice não estava tão distante assim, o tempo é coisa mais fugaz do que jamais imaginei. Cá estou, do lado de cá da quimera, adulto e com todas as fadigas que pude arrastar de lá para cá. É preciso que se pense seriamente no tempo para poder usufruir as coisas menos sérias que ele tem... Suas melhores coisas. A vida é bela porque é breve (que contradição!) e é perigosa porque é temporal. O fim faz a vida ser assustadora, mas também é ele, esse fim iminente, que a faz surpreendentemente preciosa. Cada minuto pode ser o último, cada beijo, cada cor, cada página de um livro... Tudo pode ser derradeiro, ou, quem sabe, repetir-se por décadas... Não saber é a questão. Fui às escrituras, conselheira maior, a fim de compreender tal coisa.
Nas palavras do escritor sagrado encontrei a fugacidade e a beleza – Conceito primevo de sabedoria. Dizem que os anjos nos invejam porque a perspectiva do fim faz cada instante ser único e, acrescento por conta das minhas próprias dores, irrepetível. Vêm as escrituras, filosofia do Deus eterno, e diz que antes que os montes nascessem ou que a terra se formasse Deus é de eternidade a eternidade... Conceito para os teólogos digladiarem. E eu, o que sou? Pó que o vento leva, como o dia de ontem que se foi ou como os mistérios da noite. A palavra que me define não para aí, é poética para embelezar e triste para me fazer um pouco menos tolo... É isso o que a brevidade, por fim, deveria nos dizer. Sou como um sono, como a relva que floresce na madrugada e à tarde, murcha e seca... Acabam-se os meus dias como um breve pensamento, tudo rápido como um vôo... E o fim? “Ensina-me a contar os meus dias para que alcance um coração sábio”. É preciso lembrar, esse é o conceito do Deus eterno e não o do menino de cabeça para baixo.
Assim é, eu olhava o mundo às avessas e talvez isso seja mais sábio do que vê-lo agora, adulto e de cabeça direita. A diferença? Valores e a praticidade, já que vivemos num mundo pragmático, de vivenciar cada minuto como se as coisas não tivessem fim. O que realmente valeu a pena nessas quatro décadas? Amar pessoas, conhecer a Deus, fazer as coisas aparentemente menos úteis. As melhores lembranças moram aí. O resto é efêmero. “Louco, esta noite pedirão a tua alma”...


Paz e a gente se fala pelo tempo que ainda nos resta...

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011



Eu queria
Coisas úteis e inúteis


Passo sempre por uma estrada que margeia o vale de um rio pequeno. Nas encostas desse riacho sobe uma colina que se multiplica em três ou quatro elevações, verdes, parecendo coisa nova... É sempre o fim da tarde o meu caminho por lá. O carro mais devagar para acompanhar as intenções da minha alma, um propósito lúdico de flertar com o cume da colina. Eu queria estar lá, muitas vezes sonhei com ela, armar lá uma tenda em noite estrelada, daquelas do mês de julho, ver as horas passar, contar as mesmas estrelas, arrepiar a pele com o friozinho das madrugadas em tempo de seca... Eu queria dormir naquela colina.
Por que não posso?
Queria outra coisa. Minha cidade é pequena, plantada no meio de morros e igarapés, acidentada... Mas tem, a cada dia, um por do sol de encher os olhos. Eu queria andar por ela todos os dias nessa hora de seus últimos raios de luz. Lá, parece que o sol digladia ou que o tempo se torna, de repente, preguiçoso, arrependido de ter sido tão ligeiro, tentativa explícita de durar um pouco mais. É pura reflexão, o fim de um pedaço e o começo de outro. Todo dia é assim, e eu queria, em todos eles, estar lá...
E isso também não pude.
Queria ficar sozinho com os meus livros. Ah, os meus livros! Por que tenho esse incômodo sentimento de “culpa” quando esqueço o resto do mundo para ficar com eles? É que de uma página à outra as horas se vão (e as acho tão pequenas) e coisas mais úteis e necessárias deixam de ser feitas. Então, por que amo os livros “inúteis”? Por que acalento historias de muita fantasia e pouca praticidade? Eu queria tomá-los e com eles partilhar um tempo sem fraturas... Também isso me foi negado, mesmo que o fim fosse belo.
Eu queria... Queria... Queria...
Por que não?
Pois fui ao templo às 23:00 para orar... Esse foi o tempo que sobrou? Talvez, porém, surpreendentemente, minha alma dançou de prazer. Paradoxal? Possivelmente. Não dormi na colina, não me encontrei com o sol para ouvir suas confidencias ao fim do dia e meus livros ficaram um dia a mais na estante, eu estava cansado... Porém, a paz veio por outra bifurcação. O dia foi duro, as obrigações insistentes e o tempo pequeno. Nem sempre é possível fazer o que se quer. Corri pela manhã na labuta com as coisas “arranhosas” do ministério, pela tarde me debati com pessoas, corri na direção do reino de Deus, caiu a noite e eu ainda trabalhava... E o tempo foi mesmo pequeno para um dia peculiarmente cansativo, porém pleno de uma presença prazerosa.
Às 23:00 fui ao templo... Às vezes não fazer o que se quer pode trazer paz porque o centro do ser humano é a vontade de Deus. Cansar-se nela é refazer-se por ela, como o faminto que abocanha o pão. Assim, exausto, debrucei-me no banco do templo e sorri. Minha primeira palavra na oração daquele dia foi: “Ah, Senhor, eu queria agradecer”...
Eu sei, o tempo passará e a vida é mesmo séria, mas não abro mão dos pedaços “inúteis” dela...
Sei que vou dormir naquela colina...
Vou me encontrar com o sol na intimidade da sua hora , quando ele tenta se esconder nos morros da minha cidade...
Vou dar tempo aos meus livros...


Paz para você e a gente se fala também pelas coisas que você quer...


Eliel Eugênio de Morais
Pastor