sexta-feira, 21 de agosto de 2009

SOBRE AGOSTOS E IPÊS


As coisas não parecem ser o que são. Uma amiga me enviou uma fotografia. Fotografias são uma espécie de captura do tempo. E cada captura é um grito ou uma súplica para alguma coisa. A imagem que recebi é as duas coisas. É um grito e é uma suplica pela esperança, um apelo à sensibilidade, à racionalidade, a nos lembrarmos de que ainda somos humanos, que ainda vivemos dos relacionamentos, temos paixões, fome, sono, cansaço e, acima de tudo, somos pobres e desprovidos daquilo que é, paradoxalmente, nossa maior riqueza e fonte de vida: Deus!
A imagem referida é simples. Nesse tempo de poeira e adversidades onde os ventos são cortantes e intensos, um poste de sustentação da rede elétrica floriu. É que usaram o tronco de um ipê, o lavraram, colocaram hastes, parafusos e esticaram os fios. Então, o tempo fez o que lhe é mister. Foi embora, como se fosse devagar, e os meses se foram e muitas pessoas não viram. Então, chegou agosto e aquele poste surpreendeu, oferecendo beleza e poesia em cachos amarelos. Já não era só a tão necessária energia, era também o tão suplementar pedido pelo encanto e sensibilidade.
O tempo é assim e as pessoas são assim. Pessoas nascem como a flor e murcham, como uma sombra se vão, repentinas e passageiras. É como a florada surpreendente daquele poste. Pois é mesmo assim, surpreendente e breve. Quem tirará de lá algo durável? Deus diz que o tempo humano é mesmo como uma flor do campo. Somos assim, temos um mês de agosto para florir, depois vem setembro, outubro... E nossa florada já se foi. A questão é a mesma do poeta sofredor do antigo testamento. Quem tirará de lá algo durável? Pense na transliteração do cheiro das águas do livro de Jó. Uma árvore foi escolhida, decepada, entalhada, coisas estranhas foram introduzidas em seu corpo, tentaram lhe dar uma vocação que não era a sua. Tinha que transportar energia e não flores. Estava, então, como a árvore de Jó, cortada, seus galhos lançados na secura. Porém, chegaram os ventos de agosto e, ao cheiro deles, sua vocação renasceu, seus brotos renovaram e sua florada transportou não apenas energia, mas poesia e sensibilidade. Isso é uma parábola de pessoas. O que fizeram com o ipê, fizeram com muitos de nós. Cortes, atrofiações, coisas estranhas e uma vocação que a gente não queria. Mas, é uma figura também do Espírito Santo. Jesus disse que ele é como o vento que sopra onde quer e quando quer. Como os ventos de agosto, devolve a esperança, embala a sensibilidade como uma canção de fazer dormir e devolve a verdadeira vocação de nossas almas: amantes e adoradores. O ipê nasceu para isso e nós nascemos para amar e adorar.
Essa imagem é o retrato de um tempo, seccionou um pedaço dele e nos diz que agosto é hoje. Essa é a nossa vocação. Até porque cada dia desse tempo está contado e determinado, como a flor que nasceu no campo. Com Deus está o número dos meses desse “agosto”. Não vamos gastá-los na fobia e machucaduras de um poste plantado numa beirada de rua. Nossa vocação é outra.
Paz e a gente se fala pelos ipês espalhados no mês de agosto...
Eliel Eugênio de Morais
Pastor
Colorado do Oeste, 19 de Agosto de 2009.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

FIGURAS


Algumas coisas, com aparência de pequenas, se tornam amplas pelo poder que têm de continuar ferindo, no mesmo lugar, por dias ou anos. Não me refiro a uma ferida nociva, mas àquela saudável, de pura beleza, que produz uma chaga salutar, que apaga antigos e recentes pecados, descontentamentos e rabugices. São palavras que dão movimentos a uma dança que acontece dentro da alma.
Uma dessas figuras vem de encontro à realidade brutal da escuridão, que às vezes não sei se é minha, se dos que estão à minha volta ou se pertence às espigas maduras de terras longínquas. É a tatuagem de uma noite de trevas e nela há um farol. E o farol aponta direções. Essa primeira figura trata das intimidades das almas que se acham perturbadas e amedrontadas no meio da escuridão. E tem outra figura, e essa revira os nossos relacionamentos, tanto os humanos quanto aqueles que nos conduzem à adoração, visto que são inseparáveis. É como se existisse um rio de águas turvas a nos separar. E eu sou a ponte. É o serviço da reconciliação. Às vezes sou ponte, outras, estou sobre ela sendo reconciliado com Deus e com aqueles a quem, de um modo ou de outro, feri. Um terceiro momento lembra um deserto. Este é um lugar de gente só e perdida. Talvez, a solidão e o sentimento de desmerecimento, sejam a dores mais presentes nos corações hodiernos. E essa figura diz que sou como o abrigo no deserto. Repito: não sei se acolho mais do que eu mesmo preciso ser acolhido. O abrigo é uma necessidade para qualquer pessoa que atravessa o deserto. E ele é feito de pessoas para abrigar outras pessoas que estão perdidas e solitárias no caminho. E vem a última figura desse texto, a que diz que sou uma flecha. Flechas são pessoas ou o que brota delas, bem sei. Essa, do texto, é aquela que acerta o alvo. Permita-me dizer outra vez: não sei quando é que minha palavra é uma flecha ou quando minha alma é o alvo certo para a palavra de outro. Por isso, admito essas figuras no que faço e no que fazem comigo.
Parecem coisas pequenas, as figuras, porém são amplas. E continuam dilatando. Afinal, quem nunca se achou temeroso no meio da noite? Quem não se viu partido de alguém ou por alguém, separados num rio turbulento? Quem ainda não se achou num deserto, mordido pela solidão e perdido? E eu ainda tenho o paradoxo de ser um farol que dá direção, a ponte que reconcilia, um abrigo no deserto, uma flecha certeira... E ainda assim, ser eu mesmo a caça de tudo isso. Às vezes, perdido, de repente só, desafeto, desabrigado. Sou um e sou o outro. E você, qual dessas figuras tem a tatuagem de sua alma?

Paz e a gente se fala pelas figuras da alma...

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

Colorado do Oeste, 12 de Agosto de 2009.

OLHAI O IPÊ DO CAMPO


Ainda ontem eu andava pelas ruas de Colorado do Oeste. Poeira e sequidão. Porém, o contraste estava de novo lá, como em todos os anos, nesse mesmo tempo de agrura e ventos, o ipê amarelo, como uma dança de sensibilidade e contraste. É ele, o dom que usa a ventania de agosto para figurar uma súplica pela esperança. Parece que foi dado para nos lembrar de palavras que estão acima das custosas necessidades e preocupações humanas.
Jesus bem que falou disso. Ele discorreu da ansiosa solicitude pela vida. Sua palavra é como ipê de agora, um convite a deliberarmos sobre algo que nos é custoso: perceber que a vida não é só a labuta com as coisas do chão. Suas palavras são uma interrogação e, a interrogação é uma incursão aos valores da alma. “Não é a vida mais que o alimento e o corpo mais que o vestuário”? é que aí reside o grande paradoxo de saber que as necessidades das coisas terrenas são reais, mas existe a simultaneidade de compreender que elas não são tudo. A alma necessita de outras, das quais se alimenta e nas quais se encontra a si mesma, é aí que ela ri, adora, se completa...
Olhai os ipês do campo, o que fizeram para receber tamanho adorno? Parafraseando Jesus Cristo digo que nem mesmo o Rei Salomão em toda sua riqueza e glória se vestiu como qualquer deles. Se Deus assim os vestiu, quanto mais o fará por vós, homens de pequena fé? Aí se descortina outra palavra dificultosa para o ser humano: o que é pequeno não é o que é desvalorado, pelo contrário, é o que pode dilatar. É Que Jesus falava da fé e ela é algo que pode aumentar de tamanho. Por isso, feliz é o que se acha pequeno. Esse texto lança mão da figura do ipê, transliterando as palavras de Mateus para suplicar a atenção de sua alma para as coisas que não são meramente terrenas, essas que Deus bem sabe que delas necessitamos. Porém, buscai primeiro o reino de Deus e sua justiça e todas essas demais coisas serão acrescentadas. É que todas “essas coisas” têm, diante da sublimidade das que são eternas, o gosto adocicado da sobra.
Portanto, não andeis ansiosos perguntando e sofrendo: como será amanhã? O que vou fazer? Olhai os ipês espalhando cachos de beleza pela cidade e pelo campo. Deus sabe que necessitas de todas essas coisas, mas procure em primeiro lugar o seu reino. É das coisas do reino que a alma se alimenta. Fé e amor são coisas que podem dilatar, sempre. Lembre-se, sem isso, a alma não ri, não adora, não é plena.

Paz e a gente se encontra pelos ipês espalhados por aí...

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

Colorado do Oeste, 12 de Agosto de 2009.