segunda-feira, 22 de novembro de 2010

O QUE DIZEM DELE?


Um pensamento sobre a mentira, a traição e a plenitude da verdade

Dizem que era o mais culto entre os doze, pelo menos o mais ladino deles. Há os que garantem que foi o primeiro a perceber que seu mestre falava de um reino espiritual e não de um levante para devolver, ao oprimido povo judeu, o governo. Existem escritos que contam sua sagacidade, que arriscou três anos de sua vida na esperança de tomar de Roma o poder e dá-lo aos seus. Ele tinha os seus projetos pessoais nesse governo. Dizem muitas coisas dele e algumas são verazes, outras, fruto da imaginação de escritores e roteiristas. Digo eu, sem os livros e os filmes, tomando somente as escrituras como testemunha. É mesmo possível que Judas amasse seu mestre, que, de fato, não acreditasse que a coisa toda acabasse na crucificação. Permito-me suspeitar que ele somente quis recuperar os anos perdidos andando com e por um reino intra e não político.
Tudo é possível. Porém, a escritura, testemunha fiel deste texto, registra três episódios graves e que devem nos trazer à reflexão. O primeiro versa sobre a intelectualidade do traidor. Ele pensa na traição logo após o caso da pecadora que ungiu os pés do mestre. A mentira formou ali um engodo e trapaceou com sua mente. Ele falou do desperdício e dos pobres, mas pensava outra coisa. Aí vem o segundo momento. Foi na santa ceia. O texto registra que satanás tomou-lhe o coração para que fizesse os seus intentos. Que drama cruel, que realidade atroz... Volto a pensar no que dizem dele, que o traidor amava o traído, que sofreu ao violentar o amor de seu mestre... Repito: é possível, mas é necessário que se entenda uma crueldade maior: ele o fez porque seus sentimentos estavam tomados pelo ódio incansável das trevas. Começou lá, no roubo das moedas que ele guardava, cresceu na ocultação de pecados minúsculos e dilatou paulatinamente na mentira. Ele mentiu quanto aos motivos da condenação que fez ao desperdício do bálsamo valioso da pecadora, ocultou suas decepções quanto ao reino e culminou tudo no beijo, prenda máxima do amor, revelação extrema da desilusão quanto aos seus projetos pessoais com um reino que seu mestre jamais lutaria por ele. Foi essa sucessão de coisas não confessadas, como uma escada ladeira abaixo, degrau por degrau, coisa por coisa, de moedas a mentiras, até o inferno de ser tomado por um sentimento escuro e infernal. E lá, no fim da escada, o vazio completo de um inferno absoluto. Por fim, o terceiro momento. Ele vem da descrição mais ofensiva e dorida da escritura. Judas era a figura completa do pecador: roubou, mentiu, escondeu e traiu. Para onde iria alguém com tamanho fardo? Eis aí uma alma cativa como muitas hoje. Pois, ele foi ao lugar certo, e lá estavam as pessoas erradas. Foi ao templo e lá, regurgitou toda sua dor e confusão: “Traí sangue inocente”. O que me fere e assusta é a resposta registrada na escritura: “O que temos nós contigo?” Então, o pecador completo vai e dá o premio à trapaça que o cativou. Primeiro, atira as moedas no altar, elas que foram, talvez, o primeiro degrau de sua decadência, são agora o ultimo patamar antes do inferno. Devolve assim o que ganhou com a venda do seu amo. Depois, sai e, no desespero de uma consciência conturbada, enganada e exaurida pela cobiça, se entrega ao seu algoz como o último uivo pela dilaceração do seu ultimo pecado. Assim, vai entregar às trevas seu derradeiro bem: o corpo enforcado numa árvore e suas entranhas espalhadas no solo pedregoso e seco da palestina nos dias do começo da era cristã.
Ainda se diz muitas coisas dele, verdades e mentiras. Digo eu, para concluir o texto, não o pensamento. As piores armadilhas começam com mentiras obscuras e roubos singelos, parecidos com os degraus de uma escada que só desce, até que tudo se consuma no inferno. Vejam só, os sacerdotes negaram a Judas a misericórdia, mas recolheram as moedas e disseram que era dinheiro santo porque foi preço de sangue. Então, com ele, compraram um campo para sepultamento de estrangeiros. Que vergonha! É possível à mentira andar sossegada perto da verdade, mas nunca de mãos dadas com ela. O traído foi à cruz e, como ele mesmo disse, levou sobre si as dores e os pecados de muitos. De todos os que querem e sabem disso. A verdade assim cumpriu-se, plena e exuberante, na carne e no espírito do crucificado. A escritura é mesmo testemunha e não apenas contadora de histórias.

Paz e a gente se encontra pelos testemunhos da palavra escrita...

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

SOBRE ARGILA E CONSCIÊNCIA


Ele é um dos grandes do Velho Testamento. Porém, é conhecido como o profeta que chora. Uma coisa preciosa nos seus escritos é a capacidade de sugar grandes verdades através da observação de coisas simples. Fez isso em vários trechos do seu longo livro. O choro? Já dizem as frases nos cadernos adolescentes desde não sei que tempo: “Tem coisas que só se vêem com o coração”. Por isso o profeta chora sobre as verdades que comunica.
No texto em questão, Deus o chama à reflexão. Bem já dizia o velho filósofo: “Vida sem reflexão não é vida nenhuma”. Deus o convida a um passeio e ele segue até a casa do oleiro. É necessário capturar o seguinte: Deus disse que lá, no processo da reflexão, lhe daria ouvir as suas palavras. E elas vieram através do trabalho natural de um oleiro. Outra coisa necessária é que percebamos a abrangência das parábolas que Deus põe, dia a dia, diante de nós.
O profeta vê o oleiro trabalhar a argila, e o vaso que está sendo feito quebra-se em suas mãos. A palavra “quebrar” pode ser dissecada em seus sentidos primários e consumada assim: aquilo que se tornou moralmente corrompido ou mesmo fisicamente danificado. Aí está o segredo da parábola e, porventura, da lágrima do profeta. A voz de Deus veio na figura dos dedos que moldavam a argila, do vaso que se despedaça e da intenção do oleiro em tomar de novo a argila e recomeçar o processo, visando agora um novo vaso. O entendimento precisa ser claro. Aí está se falando das vertentes do ser humano. A história da argila refere-se a uma moral corrompida. O que é uma moral corrompida senão aquilo que foi passando de saudável a doente, lentamente, até parecer normal? As coisas pecaminosas das quais fala o profeta, destrutivas que são, agem assim, como uma argila que se quebra lentamente, repetindo-se até se fazer aceitável. Não é assim com o adultério? O suborno? A prostituição? Não é isso o que ocorre com a mentira e a cobiça? Tudo não é aparentemente normal? Aí dorme o algoz oculto que, quando menos se espera, quebra o pote na olaria... O mesmo que um coração assaltado e lançado numa prisão de treva e solidão. Não se engane, a paga disso tudo é a morte da alma, e essa morte começa muito antes do que muitos imaginam. Quantos mortos de alma cruzam por nossas casas, igrejas, e escolas todos os dias? São os que não mais podem amar livremente, rir, adorar e perceber as coisas leves do espírito... É o começo do nada diante do tudo que já começou a se perder, corpo e alma, danificados de uma vez só.
A pergunta de Deus ao profeta é um poderoso ressoar aos nossos ouvidos: “Não poderei eu fazer de vocês o que fez o oleiro com a argila”? Deus o levou lá para lhe perguntar isso. É a sublime atitude de Deus em tomar a argila estragada e dela fazer um pote novo. É a experiência dos dedos de Deus tocando na história de antes e continuando a tocar na que vem sendo escrita depois. Fazer um novo pote é uma via dinâmica. Não importa onde a argila esteja, se num processo de secura ou se já um vasilhame trincado... Deus convida a ambos para o passeio da reflexão, quem sabe de mãos dadas com o profeta que percebia suas intenções nas parábolas das coisas mais simples.

Paz para você e a gente se encontra nas olarias existentes por aí...

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

SOBRE DOENÇA E GRAÇA



Tenho um amigo que está doente. Doença grave e dolorosa. Esse amigo é ainda jovem e, desde que o conheci na nossa frutífera adolescência, tem sido fiel e apaixonado pelo reino, por missões e seus missionários. Conto isso para lançar um pouco de luz, acender um farol, por menor que seja, na imensidão obscura da graça de Deus. Ela é, ao mesmo tempo, a dádiva imensurável, cristalina, das mil e uma dádivas, mas também, o poço tenebroso das mais de cem confusões das nossas míseras consciências.
Jamais pude me defrontar com uma idéia tão generosa e tão perigosa quanto a graça, pois é ela quem descortina o imerecimento. Toda a plenitude de beleza, santificação e dons são dados aos mais imerecidos corações... E muitos são curados, renascidos, transportados do medíocre charco de pecados para a sublime porta da nova criatura. Isso é indescritível, indiscutível e belo. O perigo está do outro lado, o de se pensar que os menos chafurdados são mais merecedores. Fica o seguinte: se ninguém pôde merecê-la quando estava preso no charco do lodo, ninguém também a merece por ser um filho fiel, que sempre amou a casa e as palavras do pai.
Quem é merecedor do que? Sei que Deus não nos trata nessa ideologia. Se não, o meu amigo não estaria doente e, caso adoecesse, seria curado. Por outro lado, onde estaria o futuro de todos nós, pecadores por excelência? Aí está o paradoxo. Se a alma miserável não merecia o esplendor cristalino do amor, mas o ganhou porque a Deus aprouve dar, a cura também é tratada nessa perspectiva. Ninguém é mais merecedor dela do que o amigo em questão, mas essa não é a via de Deus. Esse conceito, que é o mais poderoso instrumento de alcance e restauração das escrituras, parece-nos, por vezes, surpreendente e doloroso. É uma estrada de duas mãos. Por um lado vai a generosidade em dar o que não foi pedido e, por outro lado, não dar o que, aos nossos olhos, seria merecido. Não sei onde estaríamos, nem para onde iríamos, se Deus nos desse tudo o que merecêssemos. Pensar assim enquanto a doença destrói e dói, parece cruel, mas é fato que Deus não nos trata pela lei do merecimento, até mesmo por uma questão de preservação das nossas parcas almas.
O doente dessa crônica está tranqüilo. A razão é uma só: fé. Sabe da graça e ama independentemente de qualquer coisa. A cura? Se aprouver a Deus, ele o amará por isso. Se não lhe aprouver, não será menos amado. Todas as coisas – todas mesmo – concorrem para o bem daqueles que são adoradores. É, talvez, o conceito mais poderoso para a cura da contusão de muitas almas e para a maturação dos muitos imaturos. Por isso, possivelmente, o conceito menos compreendido pelos que clamam pelo nome de Deus. Mas é a única esperança para quem se acha perdido e a única segurança para os que sofrem e não se acham merecedores, e não o são, mas que já andam pelo outro lado da porteira.

Paz para você e a gente se encontra pelos conceitos da graça...
Eliel Eugênio de Morais
Pastor