sábado, 31 de março de 2012

Que País é esse?



É fato que o Brasil melhorou. Há que se considerar pelo menos dois aspectos relevantes nesse processo: melhorou na qualidade financeira e na educação. Nas finanças, basta ver as estatísticas referentes à venda de carros e a construção de casas novas. Nesse ponto verifica-se uma onda de melhoria. É certo dizer que a casa própria e o carro novo sejam um símbolo dessa melhora. O segundo aspecto, que é a educação, mesmo sendo alvo de justas críticas, também melhorou. É possível encontrar sinais disso na escola pública de ensino fundamental e médio e no acesso de muitas pessoas ao ensino superior. É, então, justo afirmar que a educação apresenta sinais de progresso.
Porém, nem tudo são rosas. É doloroso lançar um olhar critico ao país. São inúmeras as feridas que mancham a perspectiva alvissareira mencionada anteriormente. Cita-se aqui apenas algumas, na esperança de que o simples externar delas possa ser um remédio, ainda que ínfimo. Veja, por exemplo, a cultura. É um problema que não se refere apenas à falta de investimentos oficiais, visto que seu maior efeito corrosivo está na proliferação de coisas banais, rudes, que se apresentam como “arte”. Exemplo disso é a vulgaridade do funck, do sertanejo universitário, dos mega salários dos jogadores de futebol e tantas outras. E, então um mal coletivo. Que país é esse que Poe mais gente na faculdade e que elege Michel Teló como ídolo? Nessa mesma linha encontramos a exuberância de um país que apodrece na corrupção de líderes políticos, que desrespeitam a lei e se valem do conceito de “ser esperto”. Essas são apenas pequenos vislumbres de um país oculto que morre de dentro para fora.
Que país é esse? É claro que valores e ética não são irmãos gêmeos da educação e das finanças, mas deveria, no mínimo, andar de mãos dadas. Esse é o país crescente, porém, doente pela falta dessas coisas suplementares. Elementares? Dinheiro e escola.


Eliel Eugênio de Morais
Pastor

quinta-feira, 22 de março de 2012













ENTRE ESTEVÃO E A CHAPADA

O livro de Atos me pareceu, de repente, nostálgico, uma linha poética de uma coisa surpreendente e que pode ser perdida. O martírio de Estevão é, contraditoriamente, triste e belo. Triste pela morte dolorosa, mas, belo pela liberdade exuberante de seu ato. É aí que o livro fica nostálgico, em sua liberdade apavorante e convidativa. Tive as duas coisas e me explico.
Atos ficou assim por conta do ocorrido numa conferência recente da Missão em Goiás. Supliquei um encontro com os antigos do Renascer, aqueles que partilharam a primeira semente e sonharam as primeiras fagulhas. Éramos como Estevão, “martírios” no último ano da faculdade de teologia, plantadores de liberdade... Ah, que liberdade foi aquela, em que canto de nossas almas se escondeu? Hoje todos são pastores, todos rindo, falando, lembrando... Mas os olhos deles, ah, os olhos! Esses denunciaram um Estevão mártir esperneando dentro de nossas condutas domesticadas. Foi o encontro mais belo e dorido que já tive. Ainda somos “Estevão”... Comemos, rimos e nos olhamos, mas ele estava lá, flertando com nossas almas. Supliquei que voltassem a sonhar, onde foi parar a gritante liberdade dos primeiros sonhos? Quem nos domesticou? E para que?
No caminho de volta, ainda com o pensamento digladiando com a martiria e a domesticação, passamos por Vila Boa, só para me insinuar um pouco mais com a poesia. De lá, seguimos para a Chapada dos Guimarães, o meio do caminho, lugar para dormir antes de seguirmos para Rondônia. Lá, voltei à dialética com Estevão. Era o fim da tarde e fomos mostrar a uma amiga o mirante da Chapada. O horizonte azul, as serras azuis, lembranças azuis... E, lá em baixo, não sei há quantas centenas de metros, um cinturão verde coberto por uma nuvem branca. No começo pensei que fosse água, depois ela se moveu tocada por uma brisa, como um gigantesco floco de algodão subindo as encostas do penhasco até chegar onde estávamos. Bela, gentil e tranqüila, nos envolveu. Gritamos de alegria e espanto. A beleza espanta e acorda a alegria dormente. Como podia haver beleza tal? De repente era noite dentro dela e frio. Durou poucos minutos, mas o suficiente para se eternizar, dessas coisas que suplantam a cronologia e ficam pela marca que fez, como um poema ou uma tela, quem sabe um cochicho de terra mui remota.
Foi assim que ouvi os cochichos do livro de Atos, duas coisas numa só. A reunião dos endividados pela domesticação, mas livres e apaixonados pela martiria, é a mesma coisa acontecida na Chapada. Ambas vêm de Deus. A experiência no penhasco pode ser uma profecia do que foi e do que virá: uma liberdade imensurável, eternizada na intimidade com o Espírito Santo. Afinal, somos mesmo menos estragados como flores silvestres do que como plantas de jardins. A chapada (e os olhos) mostrou quanta grandeza pode haver em poucos minutos de liberdade (martiria?), ainda mais quando esses podem se eternizar. Pastor domesticado é planta de jardim, coisa para se ter dó, nunca terão o que teve aquelas minúsculas flores no penhasco. As coisas se eternizam na experiência (beleza) e não na educação, essa invisível dívida (beleza) entre Estevão e a Chapada.

Paz e a gente se encontra pelas entrelinhas de Atos e as nuvens perdidas da Chapada dos Guimarães...

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

sexta-feira, 16 de março de 2012




Susto na Trilha
Para falar de apaixonar e desapaixonar





Lá se vão alguns anos... Tempo de uma gritante liberdade! O dia morria e eu caminhava rápido pela trilha no meio da floresta boliviana ribeirinha. Estava só e cismado. Ouvira muitas histórias de onças por aquelas bandas. Era nossa última tarde dos vinte e tantos dias que passamos naquele pequeno povoado. Não me lembro porque eu estava só, sei que a hora me surpreendeu e vi a noite se aproximando, então, corri, temendo a escuridão e as onças...
Ah, lá se vai muito tempo!... Tempo de um grupo de jovens que deixaram sua terra e vieram aventurar-se nas florestas do Guaporé, procurando vidas para partilhar fé e amor. Eu pensava nessas coisas e apressava o passo temendo as sombras e os bichos. Foi sob imensas mangueiras plantadas na beira do caminho, bem onde a penumbra cobria as ultimas réstias de luz, que despencou do alto da galhada, bem à minha frente, uma figura humana. Eu, paralisado pelo susto, e, ele, cabelos lisos, peito nu, olhos costurados... Um Colha, pernas trôpegas ao baile da cachaça...
Despencou em minha frente... Porém, tinha olhos súplices e abriu a boca, dela vieram palavras carregadas de um hálito horrível (humano) e de um pesar maior que a escuridão que eu temia. “por que não posso livrar-me da cachaça”? Perguntava ele no castelhano típico do interior da Bolívia. Eu respondia no melhor do espanhol aprendido nos bancos da faculdade (quanta diferença daquilo que era falado ali). Ele insistiu na pergunta por três ou quatro vezes “Por que não posso livrar-me”? Eu já ficava temeroso e rebuscava o máximo do castelhano que podia... Foi quando o Espírito Santo sussurrou aos meus ouvidos: “Fale com ele sobre paixões”!
Ah, que palavra dolorosa, de tanto tempo e tantas pessoas!... A verdade brutal daquele homem é a mesma de todas as pessoas, de qualquer raça, credo ou localização geográfica. Amado e perdido. Não há distinção de classe social, cultural ou tradições. Todas as pessoas sofrem do mesmo mal. Aquele ribeirinho não se libertava pelo mesmo motivo dos tantos escravos que vejo hoje: ele estava apaixonado pelo seu algoz! Que verdade insana e que paradoxal isso é, amar o que lhe mata. De que valia eu dizer que a cachaça era amante ingrata , que abraça de um lado e apunhala do outro? De que vale dizer isso ao adúltero, ao que mente, ao ressentido, o ciumento (a lista não tem fim)... Que essas práticas são prostitutas, engambelam de um lado e estraçalham do outro... De que adianta se as pessoas estão apaixonadas por elas? Como é custoso desapaixonar alguém!
Falei dos desejos com aquele homem. Ouviu-me, chorou e, naquela ultima noite, decidiu tornar-se cristão. Ainda estava bêbado, é verdade, e nunca mais o vi. Porém, se ele tinha o mesmo “problema” de todos os humanos, tinha também a extraordinária possibilidade de cura. É possível desapaixonar... Que conceito exuberante! É que a vontade de Deus é o reencontro da pessoa consigo mesma e a restauração da chaga cancerosa produzida pela paixão prostituta, fazendo a pessoa encontrar o amor. Aí a coisa é verdadeira: Cristo. Assim é, apaixonar-me pelo que me trás vida e não pelo que a rouba de mim.
Ah, tempo de lindas paixões aquele... E quanta vida me deu!

Paz e a gente se encontra pelos sustos que a vida nos causa!


Eliel Eugênio de Morais
Pastor