sexta-feira, 31 de julho de 2009



IGREJA DE DEUS NO BRASIL
COLORADO DO OESTE - RO
UMA IGREJA SAUDÁVEL E CRESCENTE

culto da saudade - dIA 24 DE oUTUBRO DE 2010

Batismo e alegria nesse mesmo dia!





UM SEGREDO DENTRO DE CASA



Há algumas semanas alegrei-me com um lugar. Foi numa pequena cidade do interior, onde cresci no cerrado de Goiás. Alegrei-me em ver as ruas onde corri, algumas casas que ainda insistiam em ficar lá depois de tantos anos. Alegrei-me quando entrei pelo portão da minha antiga escola, agora me parecendo bem menor que antes.Descobri que um lugar nos alegra por causa dos tesouros que deixamos escondidos dentro deles.
O rei se alegrou quando alguém lhe convidou para ir à casa de Deus. E ele escreveu sobre o estremecimento de sua alma quando seus pés adentraram a cidade onde estava aquela casa. Havia tesouros lá dentro. Alguns deles, ele conta na melodia da canção que fez: os amigos, a paz e a oração. Outros, os mais íntimos, são seus segredos, são os que estão ocultos no trono do juízo de Deus. Aí se descortina uma palavra imensurável. O trono do juízo era um lugar de conferência entre o Deus daquela casa e o homem que chegava. Ali residiam suas confidências, como o maior dos tesouros guardados lá dentro.
A pessoa de todos nós é assim, complexa, paradoxal e mutável. As confidências do rei aconteciam porque Deus tornou acessível o trono de seu juízo, um lugar para as almas carentes deliberarem de suas coisas terrenas e dos seus anseios por aquilo que não é só terreno. É um caminho que se abre a tesouros. O juízo de Deus é uma súplica pelo espírito humano, e, feliz é aquele que reconhece quem é esse Deus e partilha de seu poder e amor. Muito feliz é quem percebe o que ele fez, o que está fazendo e o que ainda fará, pois o caminho se amplia na cura daquele que o confessa e que confessa a si mesmo. O juízo de Deus é um convite a essa confissão, que são aquelas coisas referentes aos pecados que cometemos e ao arrependimento que nos compunge. Aí está a diferença entre a dor do arrependimento que conduz á cura e o mero remorso que chafurda a alma num poço de culpas. Isso é uma súplica inteira da alma que chega e do trono que está na casa de Deus. Quem podia pensar que os tronos dos juízos do Senhor eram uma súplica?
Alegrei-me quando fui àquela cidadezinha do cerrado, porque lá, tive meus segredos de menino. O rei se alegrou por causa do trono dos juízos de Deus, o lugar de suas deliberações de um adulto vivido. E o que revelou de lá? Confidências de um Deus que, às avessas, pede que o humano não se perca no reconhecimento de si mesmo, que não se destrua nos pecados e remorsos cruéis da culpa, mas que se ache na súplica da alma inteira pelas necessidades e ansiedades das coisas da terra e do céu. Esse é o segredo. Isso alegrou a alma do rei quando lhe disseram: “Vamos à casa do Senhor”.

Paz e a gente se encontra pelos tronos dos juízos de Deus...

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

Colorado do Oeste, 29 de Julho de 2009.

sábado, 11 de julho de 2009

NOTÍCIA SIMPLIFICADA



MISSÃO RENASCER
RONDÔNIA – BRASIL
UMA VISÃO DE AMOR


Informativo simplificado – 001 – Janeiro 2009



ANASTÁSIS EM CEREJEIRAS

Em 2008 trabalhou e atendeu vários adolescentes e mulheres através do projeto trilha de assistência social e dos cursos de dança, música e pintura, sendo esses dentro da proposta ministerial do Anastásis. Começou 2009 com o Projeto de Férias Anastásis, um programa de dez dias com os adolescentes atendidos pelo programa. Foi extraordinário.

GUAPORÉ NA BOLÍVIA
O projeto em 2008 foi a realização de um sonho. Estivemos com uma dentista de Brasília, enfermeira de Rondônia e uma equipe de várias áreas para atendimento social e evangelístico. Financeiramente, foi um desafio muito grande, porém, a realização foi preciosa. Em 2009 o projeto voltará no inicio de agosto. E segue o programa final de plantação da igreja ribeirinha.

CURSOS E SONHOS
Estamos formando a segunda turma da Escola de Formação Missionária. Foi um ano de vários encontros e muito crescimento. A escola 2009 terá uma modalidade diferente. Visando melhor atender, funcionará por módulos com pré-aula, aulas presenciais e pós-aula. As matriculas estão abertas. Os interessados deverão entrar em contato e receber maiores informações.

O DESAFIO 2009
A Missão Renascer entra 2009 com muitos desafios: Rio Guaporé, Ministério Anastásis, Escola de Formação Missionária, Cursos de formação diversos aos pastores que trabalham na missão, apoio às igrejas de Rondônia, principalmente as que estão nascendo agora, e a sobrevivência financeira de seus programas.

O QUE VOCÊ PODE FAZER

Participar do projeto agosto 2009 com comunidades ribeirinhas, principalmente se você é profissional da saúde. Contribuir financeiramente e orar para que todas as coisas se encaminhem.

Em amor a Deus, ao seu povo e ao seu caminho,

Eliel Eugênio de Morais
Pastor
_____________________________________________________________________________________

Contatos
Fones: (69) 3341-4080 e 8402-3511
Rua Pernambuco, 4191
Colorado do Oeste – RO
76993-000

Notícias de campo



MISSÃO RENASCER
RONDÔNIA – BRASIL
UMA VISÃO DE AMOR

BIGUÁ - Informativo de campo da Missão Renascer
No. 19 - Edição em Abril - 2009
missao.renascer@hotmail.com

ASSEMBLÉIA ANUAL
Acontecerá em julho deste ano a assembléia anual da Missão Renascer. Será na cidade de Vilhena. Esta reunião será de grande importância para o futuro da Missão no que refere à sua parceria com a igreja de Deus e ao desenvolvimento do Ministério Anastasis e do projeto Guaporé.

MINISTÉRIO RIBEIRINHOS
Prosseguimos com o alvo de estabelecermos uma Igreja no povoado boliviano de Remanso. Em agosto deste ano mais uma equipe descerá o Rio num projeto de assistência social e evangelização. Devagar estamos alcançando o propósito de fundação da primeira Igreja de Deus ribeirinha no Vale do Guaporé.


ALÔ MISSOES: RECADOS AO BRASIL E AO MUNDO

MINISTÉRIO ANASTASIS – Está voando em seu primeiro ano de idade. Trabalhando permanentemente com a oficina das mãos, escola de dança e de música, escola de esportes e outros meios dos quais o programa lança mão. Temos estabelecido parcerias importantes com escolas, poder público judiciário e igrejas. É o braço mais forte hoje da Missão em Rondônia. O elo com a igreja de Deus de Cerejeiras, que tem feito seu papel de corpo, tem sido fundamental no crescimento e desenvolvimento deste projeto.

ESCOLA DE MISSÕES – Formamos a segunda turma em fevereiro deste ano. A escola prossegue com a terceira turma em 2009/2010 com um modelo renovado. As, matriculas já estão abertas e o nosso propósito é contribuir na formação de lideres para o campo e para a igreja local.

CONFERÊNCIA MISSIONÁRIA ANUAL – Ocorrerá nos dias 05 a 07 de setembro de 2010 na cidade de Colorado do Oeste - RO. Será o evento mais importante da Missão neste ano. Contaremos com a presença de várias igrejas e missões que estarão mostrando seus trabalhos e participando das oficinas e palestras gerais. O evento será organizado pela Igreja de Deus em Cacoal.

CONSTRUÇÃO 2010 – Visando ampliar o atendimento diversificado do Anastásis com: Oficina das mãos, Conselheria, Escritórios, dança, música e outros, estamos transferindo toda a base de operações para a sede da Missão em Cerejeiras. Para isso faz-se necessário ampliar e reformar a casa, bem como construir uma edícula. A Missão solicita apoio de todos.

LAR TERAPÊUTICO
Um sonho que começa tomar forma. Deverá funcionar a partir de Agosto deste ano. Atenderá mulheres e será um lugar de refúgio. É mais um braço do Anastasis em Cerejeiras. Solicitamos orações por este projeto.

CIDADE REFÚGIO – COLORADO DO OESTE
Também a partir de Agosto. É uma versão localizada do Anastasis que será efetivado pela Igreja de Deus em Colorado do Oeste. O alvo é: abertura de uma nova igreja, oficina das mãos, escolas de música e dança e serviços à hospital e prisão. Oremos e sonhemos!

PFM – PROJETO DE FÉRIAS PARA MISSÕES - 2010
Ocorrerá em Agosto deste ano. Há ainda vagas abertas. Você doará seu tempo e receberá uma experiência única de campo. Solicitamos dentistas, enfermeiros e médicos que possam doar uma semana de seu trabalho num povoado ribeirinho boliviano.

FALE CONOSCO

Fones: (69) – 9224016 - 92454812- 92582589 - 33422834
Missao.renascer@hotmail.com

Você está sendo convidado a participar desse sonho e dessa realidade. Conheça mais sobre o programa da Missão Renascer e as possibilidades de você contribuir, participar e vir conhecer nossa terra.

CONTRIBUA
Contribuições para
Missão Renascer
Conta corrente 5553-0
Agência 1504-0
Bradesco



FAÇA ALGO VIVO POR MISSÕES!

Rua Pernambuco, 4191, Colorado do Oeste – RO – Cep: 78996-000 Fone (69)3342-2834 – 92240116 -


Eliel Eugênio de Morais
Presidente

SOBRE TEMPLOS E AQUARELAS


Templos sempre me fascinaram. Lembro de uma catedral em Goiás. Bons dias aqueles quando Deus desenhava uma vida diferente em minha alma. Eu ia àquele templo imenso, silencioso, lugar perfeito para pensar e aplicar o coração nos desenhos que Deus fazia. Hoje, tantos anos e senso crítico depois, me pergunto por que aquele ambiente tão convidativo, era tão vazio. Por que será que, lá dentro, eu era a única pessoa que ainda não tinha cabelos brancos?
É que o templo esqueceu a aquarela. Construímos templos e nos esquecemos das cores da alma. Vamos aos templos, mas vamos apressados demais, ocupados demais... Tudo em demasia. E o templo que era para ser apenas um meio de colorir pessoas e descobrir o que realmente Deus quer e o que de fato importa para o ser humano, transformou-se num fim em si. Ir ao templo deveria ser como levar uma tela branca ao pintor. Quanto tempo ele levará para desenhar? Qual critério usará na distribuição das cores? O templo não deveria nunca nos engessar e nós nunca deveríamos engessar o artista dessa aquarela.
A pressa e o desespero pós moderno nos tem feito dizer ao pintor o que queremos. E essa fala tem sido enfadonha e inerte. Jesus questiona isso ao perguntar: “Louco, o que tens reservado para quem será”? Essa fala é inerte por que o templo não engessa a Deus, não faz dele um gerente que administra desejos. Ele é o pintor das nossas almas e conhece a cor que falta em cada pedaço, em cada intimidade descolorada, cada recanto corrompido pelo tempo e pela dor. Ao entrar no templo deveríamos nos lembrar de que ainda somos gente, que ainda buscamos uma completude, que somos caçadores de significados relevantes, e que não somos feitos de loucuras, de superficialidades e rotulagens mil. Jesus pergunta para onde irá nos levar toda essa loucura...
O templo é então uma aquarela. Quem sabe um lugar de desfazer loucuras ou uma oficina de quebrar gessos... Essa mesma engessadura torpe, oriunda de uma ideologia enganadora, que nos faz acreditar que somos escravos da pressa, da ocupação, da preocupação... E os cantos da tela continuam descoloridos, sozinhos, à mercê do tempo.
E o tempo passou. A lembrança daquela catedral ainda me faz bem. Quero que o templo de hoje seja assim, um lugar para demorar, conhecer desenhos, manusear cores. E a alma de hoje? Quero que seja como aquela, só procurante, adoradora, aprendiz, nada mais.



Paz e a gente se encontra nas palavras da vida!

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

Colorado do Oeste, 23 de Abril de 2009.

SOBRE AS ESTRELAS DE UMA NOITE RIBEIRINHA


Não sei há quanto tempo foi. Talvez mais de dez anos. Era noite fria do mês de julho, estávamos às margens do Guaporé com alguns jovens no programa de férias da Missão Renascer. Foi num povoado boliviano. Noite fria e pouco sono. Saí para andar um pouco na noite. E lá, a voz de Deus se fez ouvir. Olhei o céu, milhões, bilhões de estrelas. Estrelas sem fim... E eu ri. Estava ali para ser surpreendido!
Entendi que eu era assim. Elas eram como os sonhos, meus e de todos os jovens que estavam naquele projeto. Pareciam poderosas, invencíveis. Porém, na manhã seguinte, não mais existiriam. Ri da minha tolice, tremi por minha paixão, entendi as palavras do meu amado Deus.
Lembrei do livro de Gênesis. Quão tolo Abrão foi! Era velho e tinha uma palavra de Deus. Só que se cansou de esperar e pensou que sua herança viria mesmo de um escravo que habitava sua casa. Tolices da pressa, da impaciência. Coisas muito parecidas com as que vivemos hoje. Quantos estão caindo numa areia movediça de coisas rudas, apressadas e superficiais. Então, Deus chama esse homem para fora e lhe fala das estrelas. Manda que as conte. E eu me pus a pensar: como contar as bilhões que estavam no céu daquela noite ribeirinha? E falou para Abrão sobre a tolice de suas imperfeições, entre elas a precipitação, aquela coisa mórbida de acreditar que Deus lhe reservava somente coisas difíceis, problemas e lutas, que sofrer era seu destino. Podia ele contar as estrelas? Deus lhe perguntou isso. “Podes contá-las?” Então sua voz foi como o encanto daquela fria noite de julho num distante povoado boliviano. Deus disse que as estrelas eram como as bênçãos que tinha e que a herança prometida nasceria de seu próprio ventre. Era algo novo, gerado no próprio Abrão, e não o fruto de uma escravidão. Digo hoje, não confunda isso com a parca teologia da prosperidade. Não é isso. Aliás, “isso” é uma das tolas e vazias crendices que se tem espalhado por aí. O que Deus fala é de alma pura, adoradora, livre. As coisas de Deus são geradas dentro de sua alma e não é fruto de nenhuma escravidão, nem do consumismo, do hedonismo, da impaciência, sentimentos turvos...
As estrelas são um convite à reflexão e, por fim, à confiança, á renovação de uma paixão capaz de fazer tremer o corpo e de sonhar o espírito, acreditar outra vez e descansar nas promessas de Deus... Elas não são uma batalha. As outras coisas, muitas delas... São apenas tolices, inclusive aquelas escravidões que insistimos em guardar dentro de casa, como se fossem herança. Deus chama para fora: venha ver as estrelas!


Paz e a gente se fala!

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

Colorado do Oeste, 19 de novembro de 2008.

SOBRE CERRAS E ÁRVORES


SOBRE CERRAS E ÁRVORES

Eram duas. Imensas, não sei por quanto tempo estavam lá. Já as conheci enormes. Muitas vezes andei debaixo de suas sombras na hora do morrer do dia. Também me deliciei com seus frutos. Mas, na visão de alguém, estavam no lugar errado. Não importava quanta sombra ou frutos, quantas crianças vieram ou ainda viriam, furtivamente ou abertamente, brincar ou comer, usufruir... Elas estavam no lugar errado. Uma cerca era a ordem do dia. O excesso de sombra poderia enferrujar o metal da cerca. Então, a cerra fez o seu trabalho. Não se envergonhou do que era diante delas e, sem nenhum respeito, nem mesmo ao tempo delas, em minutos, lançou seus destroços ao chão.
O que é dorido nisso? A beleza! A incapacidade de se permitir machucar pela beleza. Como as pessoas podem se colocar diante de algo belo e não perceberem? A história dessas duas árvores, excessivamente sombreadas, bem que é uma figura de outros aspectos que também não são percebidos. Há, escondida na alma da gente, uma cerra que não suporta a sombra e decepa a copa da árvore que não é compreendida, deixando o coração exposto ao causticante sol e à uma paisagem desprovida de encanto. Por exemplo, o pai que pensa poder trocar o contato físico com o filho em nome do dever dando-lhe uma internet mais veloz ou o game de última geração. É como ir até as minhas vizinhas árvores e não ter olhos para a beleza e acreditar que o coração irá se alimentar de cercas. O tema se amplia aí. Quanta coisa temos ingerido das enxurradas de livros de auto-estima, a maioria embasada por uma ideologia hedonista norte americana completamente despida da realidade brasileira, e que, em nome disso, passamos a cerra em conceitos tão relevantes e verdadeiramente terapêuticos, coisas como a doçura da palavra de Deus. Só para citar: perdão, mudança, adoração... E tantos outros!
É que não ver essas coisas é como ter no coração um porta cerra. A beleza, que é viver em amor, não dando ás coisas e aos acontecimentos maior valor que às pessoas, parece, de repente, ser coisa de gente vencida. Aí, retiramos a cerra e cortamos elos, perdemos relações, achamos a solidão de uma vida pragmática. E vem o sol escaldante e as fadigas do seu calor e parecem, surpreendemente, à cegueira do coração cerrador, ser melhor que a sombra. A nossa alma, já dizia o velho profeta, é trapaceira e parece mesmo gostar de se permitir a esses enganos. Porém, a beleza está diante de nós!


Paz e a gente se fala nas sombras restantes!

Eliel Eugênio de Morais
Pastor



Colorado do Oeste, 06 de novembro de 2008.

SOBRE FORÇA E ESPERTEZA


“Muita gente é forte demais para ser usada por um Deus forte. Ou muito ladina. Mas, não é preciso ser ladino quando se tem razão. Nem forte”.
Irmão André
São palavras memoráveis do fundador de um grande projeto: a mundialmente conhecida “Missão Portas Abertas”, que trabalha nas regiões onde o cristianismo sofre restrições políticas e religiosas. É uma fala que abre o ponto de maior contradição humana: orgulho e amor. Talvez essa seja a porta humana mais difícil de se quebrar. Dentro dessa perspectiva podemos tomar o episódio de Jesus e Zaqueu no Novo testamento. Dentre tantas coisas, pensemos o seguinte.
Zaqueu era ladino. Característica de gente intelectualmente fina, astuta, manhosa. É o espertalhão que não mede trapaças intelectuais para levar vantagens. Seu crime não é exposto, é costurado nas brechas das leis ou dos acordos nunca assinados. Assim era Zaqueu. O problema é que essas vantagens lançam as almas num poço de falta de significados. O ladino perde a capacidade de confiar e de viver uma intimidade real de paz e paixão. Perde-se na bulha e se escorrega por confianças forjadas e paixões artificiais. Quando passa a bulha, a solidão é insuportável, por isso vive escravo de uma necessidade de estar sempre rodeado de sons e gente, ainda que saibam, todos eles, que todos são ladinos e, por isso mesmo, também vazios.
Isso ocorria com Zaqueu. Enriqueceu-se com a esperteza de driblar as regras e a moral dos outros. Era ladino. Porém, um dia, ouviu algo que mudou sua trajetória. Esse homem desfrutava de má reputação, era acusado de surrupiar a coisa pública, de viver em berço de ouro por causa da sua capacidade de deslizar-se, como bem diz o rondoniense, como um “bagre ensaboado”, e assim, usufruir das relações que mantinha com os poderosos. Foi assim... Até o dia em que se achou vazio e perdido e permitiu-se às palavras de Jesus. Ao fazer isso encontrou uma outra fonte de vida. Entendeu a loucura de sua esperteza e a inutilidade dos seus dribles. Recebeu Jesus em sua casa com gostosura. Aliás, uma gostosura que até então lhe era desconhecida. E devolveu o que roubou, prova incontestável que o “bagre” não era tão ensaboado assim. Devolveu e ganhou o que antes não conhecia: plenitude!
Por fim... Não é mesmo necessário ser ladino para encontrar-se a si mesmo e a paz. Ah, paz... Onde ela está? Nem é preciso ser forte. É que essas coisas andam por outras estradas e se parecem com a luz. A luz não vem do braço, nem a plenitude das artimanhas. São coisas peculiares à palavra de Deus. Fora dela, todo ladino morrerá na sua mediocridade e todo forte perecerá na solidão do seu próprio braço quando suas bulhas passarem.


Paz e a gente se fala!
Eliel Eugênio de Morais
Pastor
Colorado do Oeste, 06 de novembro de 2008.

SOBRE PORCOS E CÃES


SOBRE PORCOS E CÃES


Amo e temo essa fala de Jesus. Ele diz para não lançarmos nossas pérolas aos cães e nem as coisas santas aos porcos, para que, no fim de tudo, esses cães e esses porcos não se voltem contra nós e nos dilacerem...
Há diversos ângulos para se ver o texto. O mais doloroso deles é, talvez, o mais simples. Vamos então desdobrar essa página. Cristo fala de talentos e de dons. Os talentos são coisas externadas nas habilidades visíveis como cantar, escrever, falar, organizar e muitos outros verbos. Já os dons são coisas intras e que estão relacionadas à estrutura do ser humano, podendo incluir aí a capacidade de sentir amor, saudade, paixão e tantas outras coisas extraordinárias da alma. Mas ainda refere-se também àquelas coisas únicas, que podem fazer do homem e da mulher seres plenos e excelentes. São as coisas do céu como as dádivas que o Espírito Santo nos dá. Entre essas dádivas, o quebrantamento, a mansidão, a desejada paz de espírito e a pobreza desse espírito. Essas coisas fazem a diferença entre o excelente e o medíocre, entre o casado e o apaixonado, entre o religioso e o adorador, entre o poço vazio e o manancial imensurável...
Não dar aos cães as coisas santas ou aos porcos as suas pérolas, refere-se aos verbos e aplicações anteriores e outras mais. É não entregar, por exemplo, a excelência de uma paixão ao lamaçal do adultério, ou a sensibilidade musical ao chiqueiro de certas coisas chamadas de música, é não trocar a verdade pelo suborno, a alegria pelo rancor, a paz pela raiva, a confiança pela descrença. Essas coisas, no fim de tudo, irão destruir sua alma. Entenda que as coisas santas e as pérolas não foram dadas para serem lançadas aos cães e aos porcos. Foram dadas para sua plenitude e para sua aproximação de Deus.
Redescubra o caminho da oração, que é longo, e é caminho de confissão, de busca do que é excelente, de poços imensuráveis de humanidade e beleza. Quer se livrar dos cães que dilaceram sua alma? Deixar para trás os porcos que sujam e roubam sua paz? Redescubra e construa a comunhão com o pai. E a paz? Ah, paz... Talvez o sonho maior do coração de todos nós. Ela não será achada fora do elo refeito com o pai. Então venha para a porteira da oração e o Espírito Santo irá conduzi-lo por um caminho de excelência e grandeza de alma.

Paz para você!

Eliel Eugênio de Morais
Pastor
Colorado do Oeste, 23 de Outubro de 2008.

SOBRE FLORES E PESSOAS




Lembro de uma história antiga, contada num livro antigo, um romance da segunda guerra mundial. O episódio, que os cientistas garantem que realmente ocorreu e que ainda pode ocorrer, se passou em algum lugar do norte da África. Terra seca, de muita pobreza e, por conseqüência, terra de fome em tempo de guerra. O que aconteceu foi que durante os meses de seca o vento soprou constantemente sobre a areia do deserto e sobre os rostos de seus moradores. Isso foi assim, durante tantos dias, que parecia não ter fim.
Até que chegou a chuva. Choveu longa e mansamente por toda a madrugada. Na manhã seguinte, daquelas que, como diz o poeta, sem nuvens depois da chuva, o escritor do romance da guerra saiu a caminhar. E andou até fora da cidade. Lá, viu a areia úmida e o susto do maior milagre que pôde ver: o deserto estava coberto de flores! Um tapete de cores e poesia se estendia a seus pés e ele chorou de paz e esperança no meio da guerra, meio ferido e meio curado diante do encanto que viu.
Os estudiosos garantem que isso é fato. O pólen é trazido pelo vento e se acumula na areia. Quando vem a chuva, dessas constantes e calmas, na manhã seguinte, ou poucas horas depois, acontece um dos mais lindos fenômenos na secura do deserto: o chão fica coberto de flores, de todas as cores e tamanhos.
Isso tem um grande significado para os moradores daquela região inóspita. As flores são o prenúncio da chuva. E chuva é semente, é vida e, quem sabe, o fim do tempo da guerra? Jesus é essa flor. A presença dele na vida de alguém é exatamente como a chuva calma daquela noite do romance e muda a paisagem da alma, traz o alimento que dá a vida.
Faz tempo que ouvi essa história, nem tenho mais aquele livro... Porém, ficou a esperança de algo novo e precioso. Você já sentiu o prenúncio de que algo está mudando? Aquela sensação de algo salutar brotando no lugar que era doente? Já teve esperança? É que a chuva está caindo suavemente, como uma voz que está há muito tempo sussurrando em seus ouvidos: o maior milagre do mundo é cobrir sua alma de flores.



Eliel Eugênio de Morais
Pastor


Colorado do Oeste, 12 de Agosto de 2008.

O RIO DO TEMPO E OS SEGREDOS DO REI



“Quem pode deter o rio da aurora?... Todo o vento foi caindo entre dedos de luz e olhos de sonho”!
São palavras de Pablo Neruda. Elas dão-me duas coisas: pensamento e re-sentimento. Um sentimento bom de degustar algo saboroso ao paladar e que vai se repetindo, repetindo, re-sentindo. Também faz pensar, e pensar é espinho inquietante.
Algo parecido achei nas palavras, também insondáveis, do poeta e Rei Davi. Ele também parecia estar de frente com o rio da aurora... Quem pode detê-lo? É o tempo que vai como a correnteza de um rio, levando tudo o que pensamos eternizar. É claro que o que realmente é eterno, isso o tempo não leva. Mas tenho me posto à margem do rio da aurora e bem que gostaria de detê-lo. A possibilidade da velhice me assusta, a evolutiva caminhada para o fim me faz apegar à ilusão de que os dias ainda serão muitos. Sei que é só ilusão. Neruda viu isso e deu-se a um poema de amor. O Rei Davi também viu a mesma coisa e lembrou de todas as suas provações e fez juras ao todo poderoso.
Então vem o segundo aspecto. Para Neruda todo o vento foi caindo entre dedos de luz e olhos de sonho. Aí está algo que faz tremer o deserto da alma humana. Neruda parece haver encontrado algo que podia ir além da aurora do tempo, afinal, nada pode deter a luz e o sonho. São coisas da alma. Aí saímos do campo da filosofia ou da indagação, e vamos teologizar, que é andar pelos caminhos das relações entre Deus e a alma de todos nós. É essa expressão do íntimo que faz brotar algo eterno. As coisas entre Deus e você não estão à mercê do tempo. O Rei Davi encontrou esse segredo e disse que não entraria mais na tenda onde morava, não subiria ao leito de seu repouso, não daria sono aos seus olhos... Até que encontrasse um lugar para a morada do Deus altíssimo. E onde é essa morada senão a própria alma? Deus mesmo disse que não habita em construções feitas por mãos humanas. O Rei viu e sentiu o que poderia, enfim, suplantar o rio da aurora.
Isso tem acontecido com muitos. Pode até não parecer, mas tem. O tempo está passando para todos e todos nós sucumbimos ao seu curso e suas reivindicações. Porem, alguns tem achado o que vai além, e por isso são plenos, doces, confiantes. Fica uma última pergunta: O que temos para colocar na margem do rio e negociar pela nossa paz e eternidade? Uma última fala: O futuro? Não se preocupe, Davi mostrou o segredo, o caminho é Cristo.


Colorado do Oeste, 16 de Outubro de 2008.

UM TEXTO ENCANTADOR



Um texto encantador. É o que abre o segundo livro dos salmos. É breve, porém é profundo. Breve, porque trata das coisas do ser humano, e profundo porque se aventura nas coisas do céu. É humano porque fala da solidão, da tristeza, discorre sobre aquelas insistentes lágrimas noturnas, fala do medo... É divino porque revela a mais genuína das buscas humanas e a mais cruel das formas de solidão. E ambas se resumem em Deus. Nenhuma procura é mais sublime, é como um sedento no deserto. Nenhuma solidão é mais atroz, é como o cervo que anseia pelas correntes das águas que estão ocultas em lençóis cobertos de uma imensidão de areia.
O caminho por onde desfila as palavras deste poema é um desfiladeiro dessa dialética extraordinária: o que é divino, como bailarinas sedutoras, dançando dentro do que é humano. E, o que é humano, como um cervo no deserto, caçando uma fonte que lhe possa devolver a vida. É mister compreender isso. Todas as provações da terra, inevitáveis que são, seriam melhor compreendidas se resolvêssemos a questão central de nossas almas. E essa questão é: “... Assim suspira a minha alma por ti, ó Deus”. Isso é um fato e é irrevogável. É a questão crucial da nossa procura. As outras coisas, por mais paradoxais que sejam, são barrancos na beira do caminho, nada mais.
A pergunta é uma flecha que acerta o alvo. Perguntar a coisa certa conduz à resposta certa. O texto é breve, mas é amplo na pergunta que descortina: “Por que estás abatida, ó minha alma e por que te perturbas dentro em mim”? Coisa humana e celestial. A humana é a reflexão, como o ranger de uma porteira sendo aberta. É a lembrança dessas coisas e a quebradura de uma alma derramada perante a perspectiva da adoração... Que palavra imensurável, porto seguro para toda alma errante. Isso termina em gritos de alegria e louvores. E isso tudo é celestial. O que é do céu vem como água fresca na boca do sedento no causticante sol do deserto: “O Senhor dirige o seu amor”, e nas horas ardilosas da noite: “A sua canção está comigo, uma oração ao Deus da minha vida”.
Só para lembrar e fechar um pedaço da porteira desse texto: é mister compreender isso. A mais genuína das buscas é Deus. A ausência dele é a mais cruel e incurável das formas de solidão. E o conselho para minha própria alma é: “Por que estás abatida? Espera em Deus, pois ainda o louvarei”.



Paz e a gente se acha pelos textos encantadores da vida


Eliel Eugênio de Morais
Pastor
Colorado do Oeste, 08 de julho de 2009

SOBRE DOÇURAS E RIQUEZAS


Gosto de uma lembrança singular dos dias longos da meninice. Lembro da terra arada, sendo preparada para o plantio. Quando tudo, a meu ver, estava pronto para a semeadura, começou então o processo de esterruamento da terra. Um grande pedaço de madeira preso por cordas e com tração animal ia varrendo a terra, retirando todos os tocos, raízes e sujeiras que o arado não pôde arrancar.
Essa lembrança singular é hoje de ampla pedagogia. Estou debruçado sobre as imensuráveis palavras do rei, quando ele diz que os preceitos de Deus são mais desejáveis do que o ouro fino e são mais doces do que o mel, mais saborosos do que o gostoso gotejar dos favos. E é mesmo assim. O ouro é uma riqueza diferente dessa pela qual as pessoas têm derramado seus sonhos, suas lágrimas e sangue. É uma riqueza fina, abstrata, e é o que diferencia entre ser feliz ou ser amargurado, entre o livre e o rabugento. Essa palavra é doce, gotejante, perene em sua formosura. Porque nossas almas têm uma estranha vocação para a amargura e ao ranço, parece ser mais apetitosa à rudez do que à gentileza. O que essa palavra faz é devolver uma caminhada inversa, que destila doçura e paz no meio da amargura insana que às vezes nos rodeia. É uma palavra para mudar essa viciosa vocação das nossas almas. Eis o grande milagre dela: luzeiros no meio da escuridão.
Isso se parece com o terreno do plantio. E seria fácil assim, não fosse o esterruamento. É que a palavra do rei continua dizendo que por essa doçura e por essa riqueza, sua alma é admoestada, seus erros expostos como raízes secas, o orgulho como um adversário destemido. Que visão incomum tem o rei. Por causa da doçura e da riqueza, sua alma entra no difícil processo do esterruamento dela mesma. Os tocos e galhadas deixadas para trás não podiam impedir a semeadura.
A lembrança é boa e os dias não são mais tão longos. Sua parábola é, portanto, dorida. Minha alma, como a do rei, é aquela terra. Não posso resistir à doçura e a excelência da semeadura de Deus. É preciso esterruar. Algo grande, com grandeza, é posto sobre a terra do coração. O esterruamento continua sendo necessário. Ainda me lembro do cheiro da terra removida, ainda sei dos pedaços de coivara sendo tirados de lá. Eram pedaços ocultos, eram eles que trariam o vicioso círculo do ranço e da amargura. Agora, tirados da terra num processo lento e paciente e, logo depois, a semente com a chuva da semeadura.



Paz e a gente se encontra pelas terras da vida


Eliel Eugênio de Morais
Pastor
Colorado do Oeste, 08 de julho de 2009

O INVERNO, QUEIMADAS E FLORES


O livro dos cânticos de amor de Salomão faz uma alusão ao começo da primavera. Lá, é o fim do inverno, o tempo de cantar as aves e de surgirem as flores na terra. E o meu pensamento faz a viagem contrária e translitera a fala de Salomão, buscando dela o inverno que morria, mas que é devido à terra de cá, visto que também é tempo de surgirem as flores por aqui...
Simples assim. É que o outono passou e o inverno chegou de mansinho para partilhar de seu curso, que é pequeno, como pequenas são todas as estações. Mas, é dele, o inverno, as mais belas noites do ano, o céu salpicado de milhões de estrelas, o frio íntimo que vem com essas mesmas estrelas e que fica até o nascer do sol no dia seguinte. É seco, com ventanias e muitas árvores desfolhadas... Parece contraditório o seu curso, mas este texto aponta mesmo é para a estação da alma, que acha no inverno uma figura de si.
É assim que chegam as flores. Paradoxalmente (coisa de alma), aqui em nossa terra, é, o inverno, o tempo das mais belas flores. Essas que nascem livres no campo e na mata fechada. Imensas árvores ou arbustos rasteiros são cobertos de cachos de cores e sensibilidade, como um convite à reflexão, quase uma agressão de beleza no meio da secura, uma súplica para que voltemos os nossos olhos e as nossas paixões às coisas menos exauridas da vida.
Essa palavra nos remete ao primeiro século da era cristã. Jesus olhou os lírios do campo da Palestina e suplicou aos discípulos que olhassem para lá. Era um convite a uma mudança de atitude naquilo que procuravam. Eles eram caçadores de milagres, de mudança política talvez, quem sabe até de crescimento, visto que alguns disputavam posição ao lado de Cristo. E a súplica de Jesus foi para que mudassem a direção de seus olhos. E é o que faz este texto. A florada do inverno é essa mesma súplica. Desvie a ideologia de seu olhar exausto, ressentido, desfigurado, como o campo nas queimadas de inverno, e olhe as floradas. Tem o ipê, as quaresmeiras, as sucupiras... Elas não teceram nenhum enfeite, não fabricaram cores, porém Deus as vestiu de glória e significados, deu-lhes um grito que ecoa pelos quatro ventos: esperança!
Lá, no começo do primeiro século, Jesus encerrou sua fala com lírios dizendo que o Pai conhece todas as carências de seu povo, por isso o convite à mudança de foco na caça de suas almas. Este texto, sem os lírios, encerra-se aqui, recorrendo às flores do inverno para suplicar que a direção que Jesus mostrou lá seja amada e procurada aqui. A alma humana pode mesmo ir na secura e na desfiguração das queimadas peculiares ao inverno, mas pode também sarar, mudar e libertar-se nessa mesma parábola de flores e encantos.

Paz e a gente se encontra pelas parábolas da vida



Colorado do Oeste, 01 de julho de 2009

A TEOLOGIA DO IPÊ COR DAS ROSAS


Não sei se é direito pedir um tempo de mais suavidade aos filhos de Deus, àqueles que labutam em algum terreno adverso. Não sei se isso é sábio ou até se está em desacordo com a teologia dos mártires. Não sei se posso pedir que o sofrimento seja banido, que a intolerância, seja qual face tiver, seja soprada para o infinito dos sete mares. A teologia dos mártires tem a clareza da porta estreita, nunca se fantasiou com um cristianismo de rosas, mas sempre soube do preço do discipulado e sempre deu as caras à intolerância e ao senso comum, rotulado, dos valores convencionados.
Eu soube que, nessa semana, cristãos foram mortos na índia, centenas deles, por muçulmanos radicais. Soube também que em Moçambique ocorreu a mesma coisa e que na fronteira tríplice entre Brasil, Colômbia e Peru, a igreja tem sofrido ameaças dos traficantes porque ela está “roubando” sua mais preciosa mão de obra: adolescentes e pré-adolescentes que procuram a igreja para escapar do crime e freqüentam os cursos alternativos que ela oferece. Isso é só uma mínima mostra do que tem acontecido aqui e no mundo. Eu queria pedir um tempo de paz a esses trabalhadores do reino de Deus, suplicar que seu labor fosse mais suave. Quis fazer uma apologia à teologia do descanso... Mas, eles sabem, sempre souberam do preço de trilhar pela porta estreita.
Porém, ontem vi um ipê rosa num quintal abandonado de uma velha construção. Uma beleza primeva, quase agressiva, de uma suavidade tal que parecia um convite à teologia das coisas plenas da alma. E eu sabia que em algum lugar ermo de Moçambique existia alguma família partida, algum pai sepultado, alguma filha sozinha... Esse foi o preço da intolerância. Sei também que lá na fronteira com a Colômbia, o crack tem sido confundido com estrelas num campo onde se fuma nas caladas da noite, e têm adolescentes morrendo, escravos de si, de pais distantes, também chafurdados na escuridão, capturados por falsas estrelas. No meio disso, numa construção abandonada, bem perto de mim, encontro a exuberância do convite à plenitude nos cachos rosados do ipê.
Não sei se isso é direito, mas queria que esse ipê brotasse na terra dos intolerantes indianos, que suas flores se espalhassem no chão destroçado pela guerra de Moçambique, que comovesse e acordasse ao belo os adolescentes das pequenas cidades que ainda confundem droga com estrelas. Ponho-me a pensar e a sentir uma teologia constrangedora: como pode em meio a tanta dor existir tamanha beleza? É por essa beleza que escrevo e que suplico, na esperança final de que pelo menos na alma dos que labutam, antes que o inverno chegue de verdade, quando menos esperarem, ao dobrarem uma esquina, surpreendam-se com a exuberância do ipê cor das rosas. E saibam, não estão sós. Alguém vê, alguém ama, alguém suplica pelas coisas plenas da vida.

Paz e a gente se fala pelos ipês de qualquer esquina...


Colorado do Oeste, 16 de Junho de 2009

SOBRE O TEMPO DE UM RETRATO


Estive revirando algumas gavetas, jogando fora velhos extratos bancários, notas de compras e de dividas antigas, nada que merecesse ser guardado em algum canto da memória. Porém, no meio da arrumação, uma fotografia veio cair em minhas mãos. Um retrato, como bem se dizia no tempo dele, que me encheu de agradável e dorida surpresa. Lá estava eu, no começo da vida, e meus irmãos, todos eles, em dezembro de 1965, cada um com uma careta, um riso, algo para eternizar, e minha Irmã caçula com menos de um ano de idade. Ao fundo, um cobertor de algodão, belo e macio, perdido no tempo daquele retrato.
Olhei a imagem pleno de saudade e pensamentos. Mais de quarenta anos se passaram desde aquele dia. Onde foi parar tanto tempo? Onde couberam tantos dias? Em que espaço da minha vida ficou o esconderijo para tanto tempo? Olho para trás, desde aquele dia até hoje, e me ponho a sentir mais que pensar. Nada parece ter acontecido de tão grande a ponto de consumir todos esses anos. Se pudesse amontoar, cronologicamente, todas as lembranças, talvez não desse mais que algumas semanas. O tempo, porém, levou embora mais de quatro décadas.
O que aconteceu nesses quarenta anos que fez valer a pena vivê-los? Penso nas palavras de Cristo quando disse “Louco, esta noite pedirão a tua alma, e o que tens reservado para quem será”? É que, no fim, Deus sempre irá se referir à alma. É a única coisa realmente prestável que podemos construir. Aquele retrato suplicava por minha alma nesses últimos quarenta anos. E o que ficou? As coisas aparentemente menos relevantes, coisas simples como uma mangabeira na beira da estrada ou a estrada na beira do cerrado, alguns beijos, alguns toques, grandes amigos e a gritante pobreza em relação a Deus, por isso adorá-lo foi tão eterno. E teve os passeios com as crianças, o sono restaurador, um livro escrito... Coisas como essas fez cada minuto valer a pena.
É que os milagres verdadeiros não foram estrondosos. As coisas duráveis de Deus, aquelas que ficaram porque produziram mudanças, ocorreram no cotidiano das coisas caseiras. Os reais milagres são íntimos, por isso acontecem nos detalhes da alma. É um milagre amar, pedir desculpas, sonhar, espantar-se com o belo, admirar quem é próximo, se tornar menos defeituoso a cada dia e, nesse mesmo dia, reconhecer mais da própria miséria.
O tempo daquele retrato trouxe lembranças que não se joga da gaveta da memória. Serei sempre grato pelas dores e pelas belezas desse tempo, pelos anos de milagres cotidianos. Sou um adorador, ainda assombrado com a beleza de Deus. Isso é o que fica. Isso é o que fez valer cada dia de uma alma caminhante.


Colorado do Oeste, 13 de Maio de 2009

O CAMPO E A PÉROLA DE FINO VALOR

Os escritores da história dizem que a expressão “nascer de novo” é nova no meio cristão ocidental. No século passado entre, principalmente, os negros da América, a expressão para definir o encontro com Cristo era “ser ferido por uma enfermidade incurável ou ser tomado de grande perturbação”. Que expressão extraordinária para referir-se a uma troca profunda dos valores internos. Ser ferido por uma incurável chaga de amor, ser tomado pela perturbação de uma luz que a nenhuma escuridão poupa, mas que a tudo envolve e a tudo espera.
Isso é um grato esclarecimento da procura feita pelo amor de Deus. O ser humano é um ente dividido, bem capaz de jogar sua alma numa corrida insana por baixarias, palavrões, iras... Coisas da cultura do lixo, que alguns apostam nela para se dar bem. Eles sabem que nossas almas são vazias e deprimidas, ressentidas e perdidas... E apostam nisso, confiam que nos dividiremos e jogaremos nossos valores num charco de lodo. É uma multiplicidade de coisas, e o coração se vê aflito, fracassado, correndo atrás de sexo, álcool, dinheiro e tantas outras doenças. Tem gente apostando nisso para se dar bem com a miséria das nossas almas.
Aí vem a boa noticia. Todas essas fraturas são curáveis. Lembra do negociante de pérolas? Pois ele encontrou uma de fino valor e foi ferido por sua beleza singular. Então foi, vendeu tudo o que possuía e comprou o campo onde ela se encontrava. Trocou uma multiplicidade de doenças e procuras, até de mediocridades, por uma chaga de amor e luz. E essa luz era sim, incurável, preciosa e bela. É claro que muitas das torpes ganâncias da alma ainda ficariam esperneantes, zangadas, tentando sobreviver a essa rajada de luz. Porém, esse grande amor é um processo, como a luz da manhã que vai clareando cada vez mais até ser dia perfeito. A cada dia uma nova chaga, a cada noite uma gratidão. A pérola de fino valor não se encontra nas ameaças às nossas fraquezas, mas na súplica e na aceitação.
Então, este comentário termina dizendo que o amor tem suas próprias exigências. A pérola excelente, e de valor excelente, não é barata, não se acha nas filosofias dos botecos de esquina ou nas idéias chafurdadas no “eu sou assim” e pronto. Essa pérola não poupa nada e espera tudo. Nenhum dos itens do lamaçal humano escapa dessa luz flamejante e dessa cura incurável, e nenhum dos sonhos, mesmo o mais singelo deles, ainda que sonhado na solidão de um travesseiro, se furta à expectativa dessa chaga de amor e luz. O preço disso? Simples e complexo assim: é que somos chamados a amar completamente.


Colorado do Oeste, 27 de Maio de 2009

SOBRE UMA MANHÃ DE CHUVA

Escutei uma fala. Uma amiga me escreveu sugerindo que eu fizesse um texto sobre uma manhã de chuva. E ela mesma apresentou essa chuva. Ela caia no quintal de sua casa, calma, como respingos da voz de Deus falando-lhe de comunhão. Pensei na velha canção do Paulo Cezar: ...”E bem cedinho, de manhã, saber que as misericórdias do Senhor se renovaram”...
É isso. Os dias são maus. Quase todas as famílias sofrem de alguma fratura, quase todas as pessoas estão atarefadas, quase todos os sonhos estão endividados, quase todos os amores, partidos... Sofremos do mal da implicância, da desconfiança, da letargia interna, da preguiça de sonhar, de aprender... E a minha amiga pede que eu escreva uma crônica contando de uma manhã de chuva calma e contar das coisas suaves... Ela disse que ouvia o gungunar de sua pequena filha enquanto escrevia.
Hoje é quarta feira, é de manhã, e chove em Colorado do Oeste. Estou chegando de uma semana de férias... “E as lembranças não terão preço”. É verdade que está quase todo mundo atarefado, é verdade ainda que talvez eu tenha que desistir de um curso que muito quero, só por causa de finanças, é verdade que... São tantas verdades cruéis. Porém, saiba que é verdade também, que hoje se faz uma manhã de chuva e eu vim ao templo ouvindo uma canção menos antiga que a do Paulo Cezar: “Lembra, te tomei em meus braços, te aceitei como estavas...” O amor não está partido. Amo intimamente ao meu Deus, minha família, amigos. O Espírito Santo, como a chuva fina, tem levado de mim e de tantos outros, o mal da implicância, lançou para lá da nascente das águas, a desconfiança, a reclamação atroz, o mau humor. Aprendi a confiar, acordei para as coisas da alma. Quebrou-se a letargia do sonho e do aprendizado, fiz-me discípulo da verdade plena e exuberante do relacionamento com Deus e com o ser humano. A chuva dessa manhã é como o relacionamento. É que ele está acima dos dogmas, das regras e de tudo aquilo que, institucionalmente ou ideologicamente, pensamos ser importante.
Minha amiga tem razão. O coração precisa das coisas simples. Escutar a voz de Deus numa manhã de chuva, escrever uma carta, ouvir o som da fala de uma criança que ainda não sabe pronunciar palavra alguma, lembrar uma canção, tirar alguns dias de férias. Os dias estão aí, rotulados, e irão passar de qualquer maneira, envelheceremos de um ou de outro modo. Então, escute o pedido de uma amiga distante: “fale da suavidade da chuva, da voz de Deus dentro do coração, de coisas suaves e simples, de amores inteiros, de quanta beleza pode haver em um só dia”. É, e acrescento só uma coisa: isso realmente faz toda a diferença.



Colorado do Oeste, 25 de Fevereiro de 2009.

O SEGUNDO POEMA

Por muito tempo se acreditou que esse livro fosse a narrativa de um sonho. É que a cultura machista do hebreu nos dias do Antigo Testamento não podia conceber uma história como aquela. Era inconcebível uma mulher apaixonada que cantasse aos quatro ventos a expectativa de seu amor, que descrevesse seu amado correndo pelos montes, que falasse do ardor de seu corpo e de seu espírito... Pois é essa mesma mulher que sai à rua pela madrugada, incomoda os vigilantes noturnos, é ferida por eles e grita desesperadamente à caça do amado de sua alma. Muitos não puderam crer que isso fosse verdade. Não era decente uma mulher amar assim.
Porém, os apaixonados e apaixonadas da história não concordam. Muito se pode discorrer desse texto, condensá-lo é quase um crime passional. Fiquemos então com as gotas que destilam de algumas palavras. Ele surge como o segundo poema do livro dos cânticos de Salomão, o pacificador, para a sua amada, Sulamita, a pacificada. Algo simples e, como bem dizem os filósofos, surpreendente, visto que o espanto é o gemido de prazer da alma, é pensar que a história se repete. Parece-nos inacreditável que alguém possa caçar a Deus de maneira tão irreverente e carente, que alguém, tão corroído de solidão e pecados, possa sair pela madrugada e inquietar os sentinelas da cidade e os guardas dos templos, que possa gritar desesperadamente sua incompletude e amor. A muitos parece profano necessitar assim, tão drasticamente, de um Deus compassivo e também apaixonado pelo ser humano em sua totalidade.
Surge então o verbo poderoso do convite ao amor, surge a suplica do noivo referente às pequenas raposas, essas que podiam mutilar o romance dos dois, arrancando pequenos pedaços. Elas podiam ser os outros pretendentes ao coração da noiva ou, até mesmo, aqueles roedores ínfimos e íntimos do sentimento que fermentam uma desconfiança camuflada e podem fazer do amor um alejume anêmico e, por fim, morto de ausência. São essas as pequenas raposas que, surpreendentemente, aparecem na canção dos apaixonados e que o amante suplica que sejam afastadas.
É o segundo poema dos cânticos de amor de Salomão. Não pode ser a narrativa de um sonho. As almas carentes e incompletas, porém encharcadas de amor, sabem da realidade gritante e fascinante do espanto de se amar a Deus dessa maneira, tão verdadeira, irreverente, tão livre. E, por fim, dele ser carente eternamente. Isso não podia mesmo ser apenas um sonho!



Colorado do Oeste, 20 de Maio de 2009

SOBRE CEGUEIRA E CORES

Há algum tempo vi um filme que mais me pareceu um ritual de sensibilidade, cor e beleza: “A moça do brinco de pérolas”. O filme mostra uma história contada através das cores. Um tempo distante, uma história ida, um pensamento que volta.
Há menos dias eu estava num lugar público, em um banheiro publico. No fundo, um rapaz, pouco mais que um adolescente, sentado, de cara para a parede, imerso numa solidão profunda, embriagado numa qualidade de dor que só pude saber depois de ouvi-lo. É que ele era jovem, um tempo imenso pela frente, mas perdia na mesma velocidade dos dias que iam, a capacidade de ver as cores. Sofria de uma doença incurável que o levaria a uma cegueira inevitável. Assim, cada dia uma cor a menos, cada semana a frase de um livro que se ia, a cada mês, uma página inteira...
Hoje o sol rompeu na manhã de Rondônia, a luz passa pelas folhas das árvores, intensos e diferentes tons de verde e flores de variadas cores, múltiplos azuis no céu, nuvens brancas, varridas, levadas de um azul ao outro. E eu me ponho a pensar na complexidade da beleza posta diante dos nossos olhos. Tem gente que enxerga e não vê, tem gente que não pode mais ver e chora a ausência disso. As coisas da alma e as coisas do céu são assim também.
Penso em homem na beira de uma estrada próxima de Jerusalém. Um homem cego e pedinte. Precisava de cores e suplicou por elas. Jesus lhe perguntou: “O que você quer que eu faça”? A resposta foi: “Que eu veja”! Nossa alma é como esse homem. É insegura na treva, fica na beira do caminho gritando por luz, ou, vira adolescente outra vez e senta-se de frente para a parede e se põe a contar e chorar as cores que não tem mais, aquelas coisas inefáveis que se perdem um dia depois do outro.
E a vida com Deus é tão bela, tão intensa e luminosa como a manhã que acordou Rondônia hoje. Essa vida não é um tempo nublado, trancafiada em templos, ritos ou dogmas. É sim, plena de cores, de ventos e matizes sem fim. A palavra que bem a define é “liberdade”. Porém, e quando a gente mesmo é o cego da beira do caminho? E quando nos surpreendemos de cara para o muro, sem cor e sem brisa? Então, esse é o tempo de colorir. Qualquer coisa, venha para a beira da estrada, saia da treva. Jesus é luz, mas é também cor. Aliás, deveríamos fazer mais aquarelas do que templos.


Colorado do Oeste, 23 de Abril de 2009.

ENTRE A FERIDA E O IPÊ

Outra vez me achei procurando falas antigas. É que as palavras têm o dom de esconder significados nos repartimentos ocultos da alma. Um desses repartimentos é a adoração. Poucas vezes me deparei com uma palavra tão contundente, ela se parece com aquela de que fala Jesus ao referir-se ao homem negociador de pérolas. Esse homem encontrou algo tão significativo que foi, vendeu tudo o que tinha, trocou uma imensurável quantidade de coisas por uma só que lhe deu plenitude. Encontrou uma coisa diante da qual sua alma se dobraria para o resto de seus dias.
O que as palavras podem dizer? E o que elas não podem dizer? Por vezes contam do ipê, porque podem descrever o amarelo amaciando de beleza o chão cansado. Aí, aprofundam e contam da lágrima do poeta extasiado, ferido pelo encanto... E por que não contam a razão da ferida? É possível às palavras não saberem o que ocorreu entre o amarelo e alma? É possível que exista aí uma ausência que encanta, que fere, mas que também enche de plenitude, visto que a palavra nasce da ausência? Isso é algo para pensar e compreender, pois aí pode estar um dos grandes portões para se achar a Deus e amar o Espírito Santo. É mesmo como o negociante de pérolas, que achou uma coisa, algo que lhe faltava, e que valeu por todas as outras coisas. O singular que sobrepuja a multiplicidade. É daí que as palavras transbordam.
Talvez, a crônica e a poesia reconheçam que elas nunca serão suficientes para dizer o que ocorreu entre o pão e o vinho, se nem da alma do poeta diante do amarelo elas puderam... Por que minha alma o ama? É que existe uma distancia inefável (muda?) entre o templo, os ritos do culto, os gestos... É a minha alma procurando silenciosamente não se enganar porque ela sabe o que deseja: a pérola de grande valor. O que as palavras podem dizer do que ocorreu na minha alma? Foi amor? É mais que isso, porque não é só conceito, é a pobreza de quem achou sua riqueza. Lembre-se, a palavra se faz daquilo que lhe falta, por isso o poeta sagrado diz que de boas palavras transbordavam sua alma.
Então, caminhante é o meu sentido, sempre... Perdido na ausência, porém, achado na presença. Aqui, peço permissão à literatura para dizer que não é necessário tirar as dobraduras do texto. É que o mistério desse achado é por demais doce e prazeroso. Não deve mesmo ser explicado, as palavras já se renderam a isso. Achei o que está entre o ipê e a ferida, o que se esconde entre o templo e adoração, o que está dançando, movendo-se de vida e beleza entre o pão e o vinho... É minha alma parada, admirada, pobre... E, caminhante, mendiga se faz. E eu? Eu, poeta, achado na presença dele, quebrado, mas não fraturado, de alma inclinada, servo e nada mais.



Colorado do Oeste, 15 de Abril de 2009.

UM CASEBRE NA BEIRA DA ESTRADA

Aconteceu nos idos tempos de menino. A pequena terra onde morávamos estava repleta de meninos das terras vizinhas. E, entre meninos, sempre tem um sabido. E foi esse sabido quem falou do tesouro dos muricis. Um lugar distante, não sei se léguas ou quilômetros apenas. Pois o sabido nos desafiou e fomos na busca da maior riqueza: os muricis grandes, que eram fartos na terra vermelha do cerrado perto da ponte do rio.
No caminho passamos por um casebre, desses de beira de estrada, que eu já conhecia. Uma bica de água no quintal, que se via pela porta aberta, uma mulher escorada no umbral, um banquinho de três pernas, um cachorro magricela e um menino rindo a toa para os passantes. E passamos, e eles ficaram. Eu dizia comigo mesmo: “Que vidinha enfadonha eles têm, nem mesmo podem saber que estamos indo em busca de um tesouro”...
E o murici, doce e ácido, na terra distante do cerrado, trouxe sede. E ela foi tanta que já não havia nenhum sabido no meio dos moleques. Pegamos a estrada de volta e o sol do meio dia cobrou o entusiasmo daquela expedição. Eu pensei que não podia mais e então me lembrei do casebre, do cachorro magricela, o menino rindo, a mulher, e a bica d’água... Ninguém se lembrava disso. Porém, ao chegarmos lá, fui até a mulher e pedi para beber. Ela riu, mostrando o tesouro que tinha: a bica e água em abundancia. Deu também uma palavra: “beba você e todos os outros. Bebam à vontade”!
Até hoje não sei qual tesouro foi maior. Se o murici grande da terra vermelha ou se a água no casebre com aquele menino, aquela mulher e o banquinho roto... É que Deus deixou sinais como esses no espírito humano. Somos caçadores. Nossa alma é como um menino aventureiro, sempre procurando tesouros. Às vezes erramos o caminho e não percebemos que a maior riqueza está no meio do percurso e não no final, ou mais próximo do que poderíamos imaginar. Essa procura da alma não tem fim. Por vezes nos fixamos no tesouro de longe e nos perdemos nas coisas próximas, aquelas mais simples como a bica d’água, essas coisas que realmente fazem toda diferença entre alguém mais feliz ou menos feliz, coisas essas que são bem mais aquém do que além.
Isso são sinais de Deus. Aquela caminhada é uma parábola de nossas almas procurantes por Deus e por amor. Mesmo que encontremos o tesouro de lá, Deus faz parte dessas coisas que são de cá. Entre essas coisas estão os beijos, o tempo despretensioso e a oração. Aquele casebre será sempre uma tatuagem do que é vital e que passamos por ele sem ver porque temos os olhos nos tesouros de além. E aí vem o sol, a sede, a distancia para voltar...
Deixe-se capturar por essa metáfora. Sem água, o murici virou desespero. Para onde iremos com os nossos tesouros se não enxergarmos a água viva, se não abrirmos a boca para os beijos daqueles a quem amamos, se seguirmos sem o tempo despretensioso? Tudo é uma figura do que somos e, a estrada, é um desenho da caminhada pela alegria de dentro, aquela que nossa alma mais procura.



Colorado do Oeste, 02 de Abril de 2009.

A VOZ E SEUS ESCONDERIJOS

São muitas as figuras para se interpretar a voz. É quase imensurável a descrição bíblica dela. Ela aparece como o som de muitas águas, figura que revela sua força. Ela surge também como o silêncio que a tudo envolve, isso é sua doçura e plenitude. Às vezes, é mostrada como o poder que pode arrancar os cedros. É sua profundidade e cura.
Sua descrição continua sem fim. É como a assinatura de uma obra de arte, como o romance que leva o nome do escritor, a música que identifica o compositor. Aparece nos escritos do Velho Testamento como uma armadilha de amor e arapuca de afetos... Disso Neruda bem que falou. O Novo Testamento a apresenta como o espanto de algo surpreendente, um espanto que encanta. A filosofia falou disso também. No livro de João, ela surge como a expressão inefável de silêncio e perdão. Uma voz sem nenhum som, que mudou a trajetória de uma mulher pecadora, acostumada ao adultério de uma vida sem significados relevantes. A voz chegou e, como ela sabia, sem sons, multiplicou-lhe sentidos e esperança. Não tinha os sons do julgamento, apenas o sibilo do afeto presente. De tantos outros modos ela é mostrada, porque é dinâmica, livre, sempre em movimento, como bem diz a escritura, ela é como o sol ou como o vento, sem currais, indo, sempre...
Ela está aí. Você a tem ouvido? Como ela tem chegado até você? Às vezes se translitera num sonho e cochicha aos seus ouvidos no silêncio da noite aquelas verdades que precisam ser capturadas. Ela sempre está nas escrituras, como um pedaço que tem vida própria, se lança diante de seus olhos e grita, machuca, consola, pede para ser ouvida. Em outros momentos, se transporta à boca de outro ser humano, carente e imperfeito como você. E a voz de Deus está ali, viva, intrigante, apaixonante, pedindo que você seja humilde para decodificá-la, e ela vêm em palavras imensuráveis de dentro de outro vaso de barro, tão quebradiço quanto você. E tem o momento em que ela está escondida dentro de uma canção. É que Deus ama essas coisas, e sua voz trafega por melodias e palavras, e elas encontram aquele ponto sensível e carente do escutador. Não se engane, é ela chegando! É imensurável falar das parábolas ou dos esconderijos dessa voz e o texto labuta com o tempo. Tem que ser breve, para que a voz dure mais que ele. Então, uma última figura dela: ela se personifica numa insinuante, machucadora e curadora percepção interna, e vai se mexendo lá dentro até virar convicção. Pronto, o escutador, enfim, compreendeu! A voz de Deus gerou uma pessoa nova, mais plena e livre. E, esse que a escuta, descobriu um coisa última dela: ela é como uma obra de arte, exige uma postura, uma resposta mesmo, de quem a ouve... O que você dirá?


Colorado do Oeste, 11 de Fevereiro de 2009.

SOBRE MEDIOCRIDADE E PLENITUDE

O feio tem o seu lugar. O principal deles é realçar o belo. O medíocre também. Existe para evidenciar o pleno. Veja a figura do mês de agosto: a poeira e a secura realçam o esplendor da florada do ipê. Assim, o tolo se ofusca para exaltar o sábio, o mau gosto para mostrar como a arte é imensurável e sensível.
Mas... O que é o feio e o medíocre? É tudo o que, em contraste com a plenitude, pode ser mensurado. É tudo o que se repete, incontavelmente, sem poder se transfigurar ou mudar. É tudo o que não exige reflexão, que não nos convida a uma estrada, que não transforma nada dentro da gente porque é estático, nocivo, contamina a liberdade e o sonho, tudo o que, por fim, semeia desconfiança e, sem pudor, escraviza. Mas continua, sempre, indo, devagar...
Seria poético se essa fala permanecesse na figura do ipê. Mas ela tem nomes mais complexos: homem e mulher! De um lado está o medíocre com tudo o que é nocivo, tudo o que contamina a liberdade. Do outro, o que é pleno, livre... E entre eles uma estrada que reivindica ser percorrida, desbravada, procurada.
Não se engane. Tudo o que é feio existe para realçar o vazio que a ausência do belo deixou. O adultério, por exemplo, existe para evidenciar a perda de um amor pleno, o rancor para mostrar a escuridão que a plenitude do perdão não dado causou. E aí vêm coisas sem fim da alma: solidão, depressão, não merecimento e outras. Todas elas são medíocres porque se repetem, dia após dia, noite após noite... Essas coisas não podem se transfigurar porque é a forma diminuta do ser humano. Por isso escravizam e depois abrem uma janela e ficam lá, zombeteiramente, acenando para a plenitude roubada, pisando na alma para mantê-la lá, sempre mais, numa vida vazia e medíocre...
Então, é possível transpor a missão do feio? É possível transfigurar? É que a feiúra tem um tempo que não deveria ultrapassar. Se não, escraviza. Assim, se a mediocridade é real, o que será então da plenitude? Pense, essas coisas ocorrem dentro da gente. Onde está a plenitude para a solidão? O que é o pleno em contraste com o adultério? E o ressentimento? E a semeadura da desconfiança? Nunca, em toda a minha busca pela poesia ou pela filosofia, encontrei palavras tão plenas como essas: “O meu Espírito vos guiará a toda a verdade”. Aí está uma estrada plena. E Ele é mesmo assim... Não pode ser medido, é irrepetivel, transfigura a dor em beleza, exige sempre reflexão, convida a uma estrada de maturação e mudança, é livre, semeia confiança e conduz sempre à autonomia. Mas é preciso lembrar, isso se refere às coisas da alma e não meramente da divagação intelectual. É mudança e é reflexão. Ele espera, quem quer?




Colorado do Oeste, 07 de Janeiro de 2009.

SOBRE QUEIJOS E FOME

Sou professor e estou triste. Tenho ouvido os mestres da educação e, por causa de suas falas, começo a encontrar razões para a minha tristeza. Não me refiro às coisas técnicas da educação, como salários, condições de trabalho, cursos de formação, etc... E etc... Essas coisas não são adversários para o habilidoso coração sonhador. Minha descrença é por algo ainda mais sério: o motivo para ensinar.
Outro dia estava num evento de formatura de uma faculdade de letras. Uma professora homenageou a turma citando Rubem Alves e Adélia Prado. Eu mesmo já havia mencionado Paulo Freire, Cecília Meireles, Passet e até Neruda. Que mistura incrível: poesia e escola! Pois é. Na fala da professora, a Adélia Prado não queria o queijo. Queria fome. Rubem Alves vem dizer que o segredo da escola é produzir fome no aluno. O resto ele buscará por conta própria. Ele diz que o professor é um pastor da alegria. Paulo Freire, em sua insondável pedagogia da autonomia, disse também que somos inacabados.
Tudo isso são verdades plenas. Plenas de uma alegria que faz sangrar. Ouço-os, leio-os... Eles estão certos. E a minha tristeza é justamente por concordar com a Adélia e por saber que deveria ser um pastor da alegria. É doído fazer parte de uma verdade que parece cada vez mais inútil. Como é traumático admitir isso! Por quê? É que a sala de aula não se interessa pelo queijo e não quer a fome, nem mesmo respeita o que não conhece, porque se acha farta de tantas outras guloseimas, mesmo que sejam guloseimas inúteis e vulgares. E nelas se acham completos. Evoco o conceito de amor desses mesmos educadores. É que o amor é pobre. Só ama aquele que é pobre do outro. Então, feliz é o estudante que é pobre do saber, que se vê mendigo, ignorante, faminto diante de uma mesa posta. Aí não tem professor e nem aluno, somos todos iguais, incompletos e caçadores. Minha dor é por compreender isso e ver a sala de aula empanturrada. O que fazer com o queijo e com a fome quando as pessoas não querem nem um, nem o outro? Os conceitos desses educadores, que são também meus conceitos, são verdadeiros e belos. Mas, como dá-los a quem não os quer? A maioria esmagadora dos alunos não o quer. Querem sim, a bulha, querem repetir, copiar, querem o genérico, o medíocre, tudo o que não faz pensar e maturar, caminham pela via contraria da autonomia. É como tentar dizer ao alcoólatra que a bebida é amigo ingrato, infiel, conseqüente. Estão apaixonados por uma vulgaridade asquerosa. Como é difícil desapaixonar alguém.
Mas, a tristeza produz esperança... Por fim, o mesmo educador diz que é preciso se entristecer ou des – confiar de algumas coisas, pois daí surge a chance de se encontrar novos rumos. Não sei qual é o novo rumo da escola e isso também faz doer. Ah!... Tem alguns mendigos famintos pelos pátios das nossas escolas. Talvez o rumo novo seja deles. Que Deus os abençoe por serem essas gotas esperneantes no meio desse mar de letargia. Sejam eles professores ou alunos, pois, estudantes, somos todos nós.


Colorado do Oeste, 17 de Dezembro de 2008.

SOBRE O QUE SE CRÊ

Recentemente li um artigo constrangedor. Um grupo de velhas senhoras tentando servir a Deus de uma forma que entristeceu a minha alma. O problema estava no conceito que tinham do caráter do Deus a quem, pretensamente, adoravam. Aquelas senhoras subiam uma trilha com imensas pedras na cabeça, que feriam, cansavam e esfoliavam seus velhos corpos. O problema é que pensavam que quanto mias peso, mais feridas... Quanto mais feridas, mais esfoliações... E assim, quanto mais, mais... Mais Deus lhes ouviria. E eu sei que ao final daquela caminhada suas almas estariam mais feridas, mais pesadas, esfoliadas e... Mais distantes de Deus!
O que aquelas senhoras não compreenderam é que não é suficiente crer. Tão importante quanto crer, é o que se crê. Elas criam num Deus sádico que se alimenta de pedras pesadas, de esfoliações cansativas. Creram num Deus assim, por isso praticaram uma religião assim. O mesmo se pode dizer de muitas praticas religiosas, como por exemplo, as cordas do Ciro de Nazaré ou as toalhas do chamado “apóstolo mundial do poder de Deus”. Coisas absurdas que revelam o engano de se pensar que basta um coração sincero ou que todos os caminhos levam a Deus.
Em que você crê é tao importante quanto o fato de crer. A biblia apresenta Jesus como uma porta estreita, e é estreita porque vai direto ao ponto central da lma humana: o orgulho e o amor. Aquelas senhoras precisam entender, simplesmente, que Jesus já levou sobre si nosssas dores e que a trilha a ser percorrida vai direto à cruz. É a cruz a direçao que todos nós devemos perseguir. É na cruz que se resolve os problemas da alma. A cruz é lugar de morte e é lugar de vida. Morte ao orgulho, ao adultério, ao ressentimento inutil, à cobiça e a todas as coisas que são custosas à alma humana abandonar. É porém, um lugar de vida nova. E essa vida começa com o perdão, quebrantamneto, uma mudança da visão de quem é o Deus a quem se busca. Coisas tão diferentes das escadarias, das pedras, as cordas ou as toalhas...
Afinal, aquelas senhoras e aquelas pessoas das cordas de Belém ou os adeptos das toalhas, irão fazer muita força, se esfoliarem... E suas almas poderão continuar adúlteras, orgulhosas, ressentidas. Porque a força Jesus já fez, porque a estrada da cura é a cruz onde o preço já foi pago. A questão é que o caminho é a palavra de Deus.


Colorado do Oeste, 23 de Outubro de 2008.

EM DEFESA DO AMOR

Não há nada que se possa dizer em sua defesa. Ele é pleno. E tudo o que é pleno, dispensa qualquer apologia. Porém, nenhuma palavra tem sido tão desqualificada como o amor, até mesmo por aqueles que se dizem amantes.
É que o amor vive e se realiza em coisas abstratas, dessas que caminham pela sabedoria ou por outras qualidades internas. Desconhecer essas estradas e essas qualidades é como navegar por um rio seco e não se dar conta disso. O tema é imensurável e o texto é pequeno, por isso abre-se aqui apenas algumas dessas estradas, um flerte com o desenho da alma de alguns amantes.
Quem ama é devedor. O apaixonado reconhecerá a dádiva do sentir e se verá um devedor da emoção, do desejo, do infinito privilégio de se achar submisso ao corpo e ao sonho da outra pessoa. Será devedor por ter em quem lançar suas fantasias, sua necessidade de toque e de proteção. Pablo Neruda disse que era devedor de sua amada por todos os lugares onde os relâmpagos errantes se esconderam. O amante sabe-se devedor porque sempre tem para onde e para quem regressar, seja das distâncias, das fadigas do dia ou do desejo famélico de amar.
O amante é também um suplicante. Toda ordem ou queixa subestima o amor e furta sua mais incrível habilidade: liberdade! Por isso o amor é uma súplica. Sabe-se desprovido do cheiro, do que mais quer. É essa qualidade que fará da pessoa que ama um desmascarador de si mesmo, pois verá que de todas as coisas necessárias para a vida, a alma se alimenta, paradoxalmente, do que parece menos necessário. Afinal quem poderia imaginar que coisas como o toque, palavras, flores e beijos são mais valiosos que todas as coisas necessárias? É aí que o suplicante vê a diferença entre amor e contratos, beijos e compromissos. Ele suplica porque é pobre e a plenitude do ser humano se alimenta dessa pobreza.
Uma coisa só a mais. Quem ama assim é, por fim, caçador. Procura os elementos mais despercebidos da alma e do corpo do outro. E, por ironia ou por dádiva, acredite, aí está a maior liberdade da alma humana. Quão enganado está aquele que ama com a doença do ciúme ou com o germe da desconfiança. O amante é caçador das nascentes do amor, é capaz de reter uma imagem, beber um som, achar significados num cheiro. Por isso, por ser devedor e suplicante, não reterá a nascente, não armará uma gaiola para prender a pessoa amada ou os sentimentos e sonhos dela. Deixará a nascente fluir e, justamente por ser livre para fluir, poderá nascer todos os dias. A liberdade é o fim da caça. Assim, e somente assim, se pode amar uma pessoa por toda a vida.
O amor não precisa mesmo de defensores, até porque o texto é mesmo breve. É melhor então dizer que o amor necessita é somente de um pouco mais de devedores, de suplicantes e caçadores. Talvez assim se ache muito mais homens e mulheres um pouco mais plenos e um pouco menos desiludidos, que saiam dos rios barrentos e descubram a correnteza imperfeita, porém repleta de beleza e significados do amor.


Colorado do Oeste, 26 de novembro de 2008.

UMA PLACA NA BEIRA DA ESTRADA

Estou chegando de um curso. Muito ouvi sobre as doenças do pós-modernismo que tem atingido todos os seguimentos, todas as idades e religiões: estresse, depressão, culpa, suicídios... E foi na viagem de volta, aí pelo interior do mato Grosso, que uma coisa simples chamou minha atenção. Uma placa com os seguintes dizeres: “Seja como o sol, volte todo dia”. É mesmo impressionante que as coisas mais contundentes escondem-se por trás de coisas simples.
Explico. O coração humano é simples. Como a flor precisa de sol e calor, o ser humano precisa de silencio e amor, ou toque e amor, ou ainda, relações e amor, segurança e amor... Tudo e amor. São imensuráveis as coisas que vão encontrar significado no amor. Era para ser simples assim, mas nós complicamos, e, de repente, o que era para dar paz, traz dor. E a dor é tanta, o desequilíbrio é tamanho, que já é necessário fazer cursos para tratar dessas dores que nasceram do que não é simples. Repito: dores que se curariam com amor, com toques e com a imensurável palavra de Deus.
E nós somos como o sol, essas coisas vão e vêm todos os dias. O escritor do livro dos cânticos no Velho Testamento, diz que sua amada é como o lírio entre os espinhos. É uma metáfora exuberante do amor. Quem pode amar com uma simplicidade assim? Quem pode se curar dos venenos emocionais e até espirituais que se borrifam por aí e que se apresentam com os mais diferentes nomes? Eis alguns: desconfiança, ciúme, possessão e tantos outros! É verdade que o mundo pós moderno nos arrasta para o delírio de suas apetitosas doenças. Elas estão aí, convidando e sugando a simplicidade e o silêncio que necessitamos para ter paz. E a vida se esvai ou é vivida mediocremente. Vou repetir algumas delas, só para não esquecer: o estresse, que é cavaleiro agoniado; a depressão, que é inquilino traiçoeiro; a culpa, que é companheira envenenada; e a solidão que é parceira do nada.
Assim, tem uma placa na beira da estrada. Todos os dias, indo com o sol ou chegando com ele, têm uma esperança na palavra que Deus dirige a você. A paz de Deus é mesmo como o lírio entre os espinhos. No fim do dia, as fadigas irão, e nós, vamos para a cama do sono restaurador. O dizer é: com quem vamos recostar a cabeça e para quem vamos entregar os nossos sonhos? Lembre-se da escrita na estrada do interior do Mato Grosso: volte todos os dias! E esta crônica acrescenta: Deus sempre estará lá!

Colorado do Oeste, 18 de março de 2009.

FORTE PRÍNCIPE DA BEIRA - Uma parábola da culpa

Não me lembra a época do ano, mas acredito ter sido no mês de maio, pois era tempo das águas ainda altas, mas não tinha chuva e aquele ar agreste do inverno já soprava pelas beiradas do rio. Viajávamos pelo Guaporé numa busca de vilas e pessoas, aqueles esquecidos que Deus tanto quer enlaçar nos seus afetos.
Foi no Forte príncipe da Beira, fim da viagem, que a parábola chegou. Uma antropóloga fazia pesquisas e chorou diante dos paredões do forte dizendo que lá habitava fantasmas. Eu, que não acredito em todo tipo de fantasmas, acreditei que aquilo era só poesia. Porém, nos paredões da masmorra, aquele lugar escuro e úmido, reduto dos aventureiros que cometeram algum crime, recanto dos escravos fujões, arapuca eterna de soldados desertores ou inimigos espanhóis presos que tentavam invadir o Brasil pelo rio. Vozes e gemidos, dores e malária pareciam ainda habitar aquelas paredes grossas e frias.
Conto isso para lançar luz num dos pontos mais escuros da relação do homem consigo mesmo e com Deus: a culpa! O nosso coração se parece com as coisas de dentro daquela masmorra. A culpa é um inquilino perigoso, que vive às escondidas, como fantasmas, e humilha os nossos sonhos, fazendo que o desejo e a esperança se pareçam com trapos de imundícia, como já dizia o velho profeta. E a alma, como a folha separada do galho, murcha, um dia após o outro. É o tempo que passa e faz a alegria morrer devagar. É isso o que a culpa faz misturando vergonha com humilhação. A culpa é como um vento de tempestade, que arrebata e leva para qualquer lugar a folha seca.
É simples e é complexo assim. Sente-se culpa por filhos e pessoas queridas que morreram ou que foram embora. Há os que carregam a culpa pela dor ou pelo fracasso de outra pessoa, seja essa dor física ou abstrata. Às vezes, como inquilino sorrateiro que é, a culpa se esconde na frustração daquela expectativa que outras pessoas tinham a nosso respeito... E a gente quis coisa diferente. Outras vezes, a culpa está nas paredes da masmorra, grudada, quase oculta com o tempo... E se agarra na infelicidade de outra pessoa ou nos loucos erros que cometemos no passado. Ela é inquilino perigoso e vêm, às escondidas, se alimentar da nossa própria infelicidade.
Mas ela tem cura! No jardim da agonia, Cristo levou sobre si toda a culpa e vergonha para que nenhuma pessoa o procurasse em vão. A culpa dói e gruda nas paredes da masmorra. Cristo, que é amor pleno, cura e abre as janelas desse lugar remoto para que entre nele a luz da comunhão com sua pessoa. A culpa é treva e não pode resistir a luz. Luz é relacionamento e perdão. Real, como reais são os fantasmas que vivem nos cantos das masmorras da alma. Então, conclui-se: a luz é uma dádiva do imensurável apetite do amor, e, como toda dádiva, busca ser desejada. Se a quer, lembre-se, é um presente e precisa dos seus endereços.

Colorado do Oeste, 11 de Fevereiro de 2009.

SOBRE SABEDORIA E ESTULTÍCIA

O escritor do Velho Testamento debruça-se sobre duas alegorias para falar da pessoa humana. E essa fala aponta para um tipo especial de pessoa: aquele que é ainda incompleto.
É mister explicar isso. O escritor se refere a todo aquele que sofre de falta de entendimento ou que, mesmo entendendo, falta o conhecimento. É, como diz Paulo Freire, uma figura de toda a raça humana. É simples perguntar: quem não se vê assim?Quem já está pronto a ponto de não ter nada para aprender? Quem não labuta com alguma paixão? Quem não peleja com alguma ou com muita imperfeição? Por fim, quem não se sente perdido por alguma área da alma? Vejamos então onde se debruça o texto para falar dessas coisas.
Duas pessoas prepararam as suas casas e saíram à rua para convidar os que são imperfeitos. A primeira pessoa foi a sabedoria. Ela preparou pão e vinho, selecionou iguarias para um banquete e usou palavras doces como a vida longa, saúde para os ossos, liberdade em relação ao dominador, bálsamo... E veio a segunda pessoa, personificada numa mulher prostituta ou numa adúltera, a estultícia. Essa também preparou a sua casa, arrumou a cama, esbanjou-se nos perfumes e foi à rua. Também usou palavras doces e, com astúcia, fez com que as frases escorressem de seus lábios como o vinho que sobeja das bordas do copo. Suas falas eram plenas de fantasia e armadilhas, falou do marido que saiu de viagem e somente regressaria no dia da lua cheia. Usou de seus beijos e dos motivos religiosos para seu convite. Disse que já cumprira seus votos, que já tinha ido ao templo, já prestara culto e agora estava faminta de amores até pela manhã.
Uma terceira pessoa surge para ser a figura de muitos de nós. Um rapaz, que se apresenta como “falto de entendimento”. É o que a parábola diz. E eu acrescentaria, imperfeito. Ele ouviu os dois convites e se deixou seduzir pelas palavras viscosas da adúltera. Ela mistura os conceitos de adulterar e prostituir. É que as verdades da tentação estão dentro daquele que é tentado. Ele a seguiu como o boi que vai para o matadouro, como o cervo que só se dá conta da armadilha do caçador quando a flecha já lhe atravessou o fígado e ele se vê como o moribundo que suplica inutilmente por sua vida.
A alegoria fala do que é real. Essa prostituta pode se transliterar em muita coisa. É tudo aquilo a que nos permitimos seduzir, porque a tentação está dentro do tentado, é bom relembrar. Por isso nos conduz lentamente ao matadouro ou às cordas de uma armadilha do caçador que nos mata. Aí pode estar o ciúme, adultérios, rancores, disputas financeiras, inveja... E essas coisas apresentam alguma rota ao sagrado, como se Deus fosse um compromisso a ser cumprido e não um processo pleno de relacionamento. A rota diz: cumprido está o culto, então pode ir com a prostituta.
Por fim, a sabedoria volta à rua e grita. Sua voz se dirige aos filhos dos homens, aos simples, aos loucos, aos imprudentes, aos sensatos, aos cansados, aos aflitos, justos e injustos, bons e maus... A todos os que querem algo mais pleno e real da vida. “Ouçam a minha voz, pois falarei de coisas excelentes”!

Colorado do Oeste, 25 de Fevereiro de 2009.

SOBRE SAULO DE TARSO

Paulo é pequeno. O grande que difundiu o cristianismo e que soube o que é dar a vida por uma verdade, era pequeno. Ele foi pequeno. Disse que “se alguém está em Cristo, é nova criatura, as coisas velhas passaram e tudo se fez novo”. Sei que essas palavras são uma ponta de esperança para muitos. As coisas que ficaram era refugos, tudo deixado para trás, inclusive sua vida, por causa da excelência do que conhecera numa estrada poeirenta da Palestina do primeiro século.
Não foi sempre assim. Nasceu em Tarso – Era Saulo de Tarso, o arrogante, seguro de uma religiosidade legalista e disciplinada, porém vazia de compaixão, plena sim, de escuridão e letargia. Foi quando Cristo lhe lançou por terra e Saulo descobriu as escamas da religiosidade que lhe cobria os olhos. Escamas de uma religião que podiam cegar uma pessoa de tamanha cultura? Exatamente isso. Saulo desfilava seu orgulho e sua lei e Cristo lhe fez ver o quanto era cego e o quanto era inútil e vazia sua religiosidade, porque, repete-se, era desprovida de compaixão, nua da pobreza de espírito, porém encharcada de leis e de justiça própria. Trapos de imundícia ante o trono da imensurável graça de Deus.
No chão, viu-se cego. E cego, procurou a oração e, na oração, achou a cura dos olhos e a dilatação da alma pelo mover do Espírito Santo. Lá, nesse dia, soube que morreria e que viveria por Cristo. A religião soberba, externa e disciplinada morria e nascia um coração pobre, pedinte, adorador.
Então, tornou-se Paulo – O pequeno. E fico a pensar que, se Cristo fez mudança tal, de tamanha intensidade, em alguém como Saulo de Tarso, o que não pode fazer hoje no coração de pessoas como eu e você? Por isso Paulo disse que se alguém está em Cristo é nova criatura, as coisas velhas passaram e tudo se fez novo. As coisas velhas eram o Saulo orgulhoso, perseguidor, criminoso... Tudo isso somado a um deus organizado, cheio de leis. A nova criatura é o perdão, a liberdade, um rio de água viva corrente dentro de si. Ser nova criatura é deixar ir as coisas velhas e é ser mesmo pequeno diante de tanta grandeza e amor, que dá a desejada transformação.
Colorado do Oeste, 11 de Setembro de 2008.

CHEIRO E COR

Palavras são armadilhas. Cores são armadilhas. Hoje, escrevendo esta crônica, vejo o inverno dominar Rondônia. Escrevo para ter clareza, para ver se, no meio das palavras, encontro uma que responda o que foi que tive com Deus, o que houve entre mim e o Espírito Santo e com os outros dons que tanto amei. Essas armadilhas são fascinantes, gritantes, dilatadoras, por isso, belas. Abro esta crônica, que deve ser breve, para dizer um pouco mais dessa maturação. A armadilha conduz à clareza porque investiga a alma. Então este texto é mesmo pelo Espírito Santo. Neste instante em que a chuva parece distante e eu paro para pensar, é que as cores e as palavras tomam forma e posso ver a arapuca delas.
Deus ama as coisas humanas. Isso já ficou dito. Posso ver essas coisas dançando em mim como a moça do brinco de pérola (um filme memorável), e entendi-as de forma concreta num longínquo fim de tarde do mês de agosto. Uma parábola nasceu de um fato irrelevante, e eu pude, enfim, interpretar essa procura de Deus, como ainda não tinha percebido. Foi assim:
Eu viajara ao Tocantins num programa de família. Era fim de tarde, ar agreste pela seca e pela fumaça das queimadas de agosto. Eu andava no morrer desse dia, ia pelas ruas da cidade pequena. Então senti um cheiro precioso, um perfume que não conhecia e que enchia a rua. Andei procurando sua fonte. As pessoas que passavam ou que estavam à porta de suas casas, pareciam indiferentes ou não percebiam a riqueza daquele aroma. Então, numa rua estreita e vazia, achei sua nascente. Uma árvore de médio porte, em frente ao quintal de uma casa pequena, sem muros. A árvore estava coberta com flores brancas de onde fluía o desconhecido e precioso perfume. Cheiro e cor no agreste do cerrado. Parei debaixo dela, ferido por tamanho encanto e por tão singular dádiva. Tristeza e alegria numa rua insignificante de uma cidade insignificante. Chamei a dona da casa, quis saber o nome daquela árvore. Ela riu, espantada com meu encanto. Não sabia o nome, não gostava da árvore, era-lhe dificultoso varrer o tapete branco que se formava todos os dias. Espantado fiquei eu. Procurei por outras pessoas na rua. Ninguém soube o nome. Era uma árvore inútil porque não produzia frutos comestíveis.
Saí de lá ferido e, ainda mais, marcado. Mas era um segredo. Uma beleza tão magnífica de odor e cor, incógnita, sem nome naquela rua agreste, possivelmente, exposta ao rancor de uma vassoura. Esse fato, tão inconseqüente, ficou para mim como uma parábola da vida e da paixão de Deus. Bem assim Ele é, até mesmo incógnito para muitos, mas sua palavra foi dada para espargir cor e cheiro ao mundo. Quem viu? Quem a conheceu? Isso são coisas próprias das armadilhas. Só quem nelas caiu pode dizer de sua dor e de seu amor. Deus, a grande maturação da minha lealdade e da nuança do meu amor, teve, naquela árvore e naquele cheiro, a parábola que pude apreender dele.

Colorado do Oeste, 28 de Julho de 2009.

A MULHER DE SAMARIA

Devia ser perto do meio dia. Sol escaldante da palestina. E poeira. E solidão na alma de uma mulher! Jesus está sozinho à beira de um poço. A hora não é propicia para se vir buscar água. As mulheres faziam isso na virada da tarde, quando o sol já perdia a agonia do seu calor e o vento soprava uma brisa amena. Elas vinham em turmas, alegres, falantes, uma aparente liberdade e normalidade.
É que havia uma outra mulher. Menos comum, menos livre, menos falante. Não queria ou não podia misturar-se às outras. Era uma adultera. Já fora casada cinco vezes e vivia agora com um homem que não era seu marido. Uma pecadora, talvez até contaminadora do seu povo. Por isso, vinha só, ao sol escaldante do meio dia. Castigo merecido para uma pecadora tão exuberante...
Exuberante mesmo era a alma dessa mulher. Chegou ao poço e encontrou um judeu, também só, sentado, calmo. Ele pede água. Ela se espanta, como só as grandes almas se espantam com o novo. Então, diz a realidade. Ela é mulher samaritana e ele é homem judeu. Como pode pedir-lhe água se judeus e samaritanos são inimigos? E o são, justamente, por causa da religião. Cada povo se acha mais dono da adoração do que o outro. E Jesus, era dono do que? Da imensa sede e da extraordinária fome de paz e adoração que tinha aquela mulher. Por isso fala que se ela soubesse quem é que lhe pedia água, seria ela que lhe pediria e Ele lhe daria da fonte da água da vida. Essa fonte seria em sua alma como uma corrente que jorra para a vida toda.
Que palavras são essas a uma mulher vazia, pecadora? Uma mulher que o sol escaldante do meio dia e a poeira e silêncio do lugar, bem que era uma figura de sua alma. E ela se rende a essas palavras, e diz: dá-me dessa água para que eu não tenha mais sede. Que sábia súplica! E Jesus lhe diz ainda que os verdadeiros adoradores são os que procuram a Deus em espírito e em verdade. E Deus está à caça deles. A mulher se vai e a paisagem daquele encontro nunca mais seria uma figura de sua alma. Toda a solidão e dor, frutos indiscutíveis dos seus grandes erros, tratados agora com humanidade e paixão, ficam para trás. A história irá testemunhar a grande transformação que as palavras e o amor revolucionário de Cristo fez na vida daquela mulher. Jesus disse depois aos discípulos que fazer isso era a comida que ele tinha para comer. E ele segue, caçando vidas exuberantes de fome e sede e plenas do espanto para como o novo. Você é um deles?

Colorado do Oeste, julho de 2008.