sábado, 11 de julho de 2009

O SEGUNDO POEMA

Por muito tempo se acreditou que esse livro fosse a narrativa de um sonho. É que a cultura machista do hebreu nos dias do Antigo Testamento não podia conceber uma história como aquela. Era inconcebível uma mulher apaixonada que cantasse aos quatro ventos a expectativa de seu amor, que descrevesse seu amado correndo pelos montes, que falasse do ardor de seu corpo e de seu espírito... Pois é essa mesma mulher que sai à rua pela madrugada, incomoda os vigilantes noturnos, é ferida por eles e grita desesperadamente à caça do amado de sua alma. Muitos não puderam crer que isso fosse verdade. Não era decente uma mulher amar assim.
Porém, os apaixonados e apaixonadas da história não concordam. Muito se pode discorrer desse texto, condensá-lo é quase um crime passional. Fiquemos então com as gotas que destilam de algumas palavras. Ele surge como o segundo poema do livro dos cânticos de Salomão, o pacificador, para a sua amada, Sulamita, a pacificada. Algo simples e, como bem dizem os filósofos, surpreendente, visto que o espanto é o gemido de prazer da alma, é pensar que a história se repete. Parece-nos inacreditável que alguém possa caçar a Deus de maneira tão irreverente e carente, que alguém, tão corroído de solidão e pecados, possa sair pela madrugada e inquietar os sentinelas da cidade e os guardas dos templos, que possa gritar desesperadamente sua incompletude e amor. A muitos parece profano necessitar assim, tão drasticamente, de um Deus compassivo e também apaixonado pelo ser humano em sua totalidade.
Surge então o verbo poderoso do convite ao amor, surge a suplica do noivo referente às pequenas raposas, essas que podiam mutilar o romance dos dois, arrancando pequenos pedaços. Elas podiam ser os outros pretendentes ao coração da noiva ou, até mesmo, aqueles roedores ínfimos e íntimos do sentimento que fermentam uma desconfiança camuflada e podem fazer do amor um alejume anêmico e, por fim, morto de ausência. São essas as pequenas raposas que, surpreendentemente, aparecem na canção dos apaixonados e que o amante suplica que sejam afastadas.
É o segundo poema dos cânticos de amor de Salomão. Não pode ser a narrativa de um sonho. As almas carentes e incompletas, porém encharcadas de amor, sabem da realidade gritante e fascinante do espanto de se amar a Deus dessa maneira, tão verdadeira, irreverente, tão livre. E, por fim, dele ser carente eternamente. Isso não podia mesmo ser apenas um sonho!



Colorado do Oeste, 20 de Maio de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário