sábado, 11 de julho de 2009

FORTE PRÍNCIPE DA BEIRA - Uma parábola da culpa

Não me lembra a época do ano, mas acredito ter sido no mês de maio, pois era tempo das águas ainda altas, mas não tinha chuva e aquele ar agreste do inverno já soprava pelas beiradas do rio. Viajávamos pelo Guaporé numa busca de vilas e pessoas, aqueles esquecidos que Deus tanto quer enlaçar nos seus afetos.
Foi no Forte príncipe da Beira, fim da viagem, que a parábola chegou. Uma antropóloga fazia pesquisas e chorou diante dos paredões do forte dizendo que lá habitava fantasmas. Eu, que não acredito em todo tipo de fantasmas, acreditei que aquilo era só poesia. Porém, nos paredões da masmorra, aquele lugar escuro e úmido, reduto dos aventureiros que cometeram algum crime, recanto dos escravos fujões, arapuca eterna de soldados desertores ou inimigos espanhóis presos que tentavam invadir o Brasil pelo rio. Vozes e gemidos, dores e malária pareciam ainda habitar aquelas paredes grossas e frias.
Conto isso para lançar luz num dos pontos mais escuros da relação do homem consigo mesmo e com Deus: a culpa! O nosso coração se parece com as coisas de dentro daquela masmorra. A culpa é um inquilino perigoso, que vive às escondidas, como fantasmas, e humilha os nossos sonhos, fazendo que o desejo e a esperança se pareçam com trapos de imundícia, como já dizia o velho profeta. E a alma, como a folha separada do galho, murcha, um dia após o outro. É o tempo que passa e faz a alegria morrer devagar. É isso o que a culpa faz misturando vergonha com humilhação. A culpa é como um vento de tempestade, que arrebata e leva para qualquer lugar a folha seca.
É simples e é complexo assim. Sente-se culpa por filhos e pessoas queridas que morreram ou que foram embora. Há os que carregam a culpa pela dor ou pelo fracasso de outra pessoa, seja essa dor física ou abstrata. Às vezes, como inquilino sorrateiro que é, a culpa se esconde na frustração daquela expectativa que outras pessoas tinham a nosso respeito... E a gente quis coisa diferente. Outras vezes, a culpa está nas paredes da masmorra, grudada, quase oculta com o tempo... E se agarra na infelicidade de outra pessoa ou nos loucos erros que cometemos no passado. Ela é inquilino perigoso e vêm, às escondidas, se alimentar da nossa própria infelicidade.
Mas ela tem cura! No jardim da agonia, Cristo levou sobre si toda a culpa e vergonha para que nenhuma pessoa o procurasse em vão. A culpa dói e gruda nas paredes da masmorra. Cristo, que é amor pleno, cura e abre as janelas desse lugar remoto para que entre nele a luz da comunhão com sua pessoa. A culpa é treva e não pode resistir a luz. Luz é relacionamento e perdão. Real, como reais são os fantasmas que vivem nos cantos das masmorras da alma. Então, conclui-se: a luz é uma dádiva do imensurável apetite do amor, e, como toda dádiva, busca ser desejada. Se a quer, lembre-se, é um presente e precisa dos seus endereços.

Colorado do Oeste, 11 de Fevereiro de 2009.

Nenhum comentário:

Postar um comentário