sábado, 11 de julho de 2009

CAJAZEIRAS E AMOR

Foi simples assim. O cansaço chegou e eu fui pescar. Como disse o poeta, uma tarde inteira para vadiar. E foi numa tarde de sexta feria. A água do Rio Santa Cruz corria forte, limpa e de um verde que se parecia com as disposições da minha alma. E foi simples assim. O vento trouxe um cheiro extraordinário que vinha da outra margem, parecia dançar nas correntes do ar e vir se derramar nas minhas narinas predispostas ao descanso. Então remamos para lá. Era vento de chuva e sacudia uma exuberante cajazeira fazendo, literalmente, chover esses pequenos cajazinhos de cheiro e sabor incomparáveis. Encostamos a canoa debaixo dela. Repito: cheiro e sabor, chuva de frutos amarelos, ácidos, um presente inesquecível...
Mas eu tenho uma coisa que os médicos chamam de disfunção de ácido. Significa que frutas ácidas podem provocar dor em alguma articulação. E eu as devorei. Em casa, na mesma noite, a dor chegou. Eu ri. Sabia que viria. Falei com Deus e penso que ele também ria. É que eu e ele sabíamos o quanto sou frágil para a dor. Mas eu lhe dizia: Não pude resistir a um cheiro e a uma beleza tão imensurável como aquela cajazeira.
Permita-me transliterar aquela tarde e falar de relacionamentos. É que o que ocorreu lá e o que ocorreu depois, se parece com o coração humano. Nossa estrutura pessoal é toda de relações. O amor, em suas diversas faces, é como aquela cajazeira, plena de beleza e frutos preciosos. Nós somos a canoa que vai para lá, que procura as delicias do outro, só que as vezes essa canoa leva dentro de si almas com defeitos ácidos. E esses defeitos provocam dor, fazem da “festa” do amor um palco de mágoas. É quando, em vez de usufruir as delicias que o amor concede, sufoca-se em agressões, ciúmes e desconfianças. Agressões? É tudo o que violenta sua sensibilidade e esperança. Pode vir de você mesmo ou do outro. Ciúmes? É quando se pensa que o amor é propriedade e assim, fere seu mais precioso cheiro: a liberdade! Desconfiança? É tudo o que suborna ou que mata sua fome de amar e ser amado.
O coração pode ser ácido, e acredite, isso dói e faz doer todo encontro. Porém é preciso que se entenda outra coisa simples: dores de amor se curam com amor, e solidão se cura com relacionamento. É por isso que Deus olha para você e, como o vento, sopra a dor e a decepção, não para fazê-las esquecidas, mas para te chamar a um relacionamento com ele. É na relação ampla com ele que sua consciência e seu amor dilatarão. E coisas preciosas como o perdão e a confiança renascerão. Ah, é preciso lembrar uma coisa só a mais: perdão e confiança são como o vento na calma água esverdeada do Santa Cruz, leva embora de dentro da gente toda a disfunção ácida que faz sofrer a alma que ama.

Colorado do Oeste, 05 de Fevereiro de 2009.

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