sábado, 11 de julho de 2009

SOBRE SABEDORIA E ESTULTÍCIA

O escritor do Velho Testamento debruça-se sobre duas alegorias para falar da pessoa humana. E essa fala aponta para um tipo especial de pessoa: aquele que é ainda incompleto.
É mister explicar isso. O escritor se refere a todo aquele que sofre de falta de entendimento ou que, mesmo entendendo, falta o conhecimento. É, como diz Paulo Freire, uma figura de toda a raça humana. É simples perguntar: quem não se vê assim?Quem já está pronto a ponto de não ter nada para aprender? Quem não labuta com alguma paixão? Quem não peleja com alguma ou com muita imperfeição? Por fim, quem não se sente perdido por alguma área da alma? Vejamos então onde se debruça o texto para falar dessas coisas.
Duas pessoas prepararam as suas casas e saíram à rua para convidar os que são imperfeitos. A primeira pessoa foi a sabedoria. Ela preparou pão e vinho, selecionou iguarias para um banquete e usou palavras doces como a vida longa, saúde para os ossos, liberdade em relação ao dominador, bálsamo... E veio a segunda pessoa, personificada numa mulher prostituta ou numa adúltera, a estultícia. Essa também preparou a sua casa, arrumou a cama, esbanjou-se nos perfumes e foi à rua. Também usou palavras doces e, com astúcia, fez com que as frases escorressem de seus lábios como o vinho que sobeja das bordas do copo. Suas falas eram plenas de fantasia e armadilhas, falou do marido que saiu de viagem e somente regressaria no dia da lua cheia. Usou de seus beijos e dos motivos religiosos para seu convite. Disse que já cumprira seus votos, que já tinha ido ao templo, já prestara culto e agora estava faminta de amores até pela manhã.
Uma terceira pessoa surge para ser a figura de muitos de nós. Um rapaz, que se apresenta como “falto de entendimento”. É o que a parábola diz. E eu acrescentaria, imperfeito. Ele ouviu os dois convites e se deixou seduzir pelas palavras viscosas da adúltera. Ela mistura os conceitos de adulterar e prostituir. É que as verdades da tentação estão dentro daquele que é tentado. Ele a seguiu como o boi que vai para o matadouro, como o cervo que só se dá conta da armadilha do caçador quando a flecha já lhe atravessou o fígado e ele se vê como o moribundo que suplica inutilmente por sua vida.
A alegoria fala do que é real. Essa prostituta pode se transliterar em muita coisa. É tudo aquilo a que nos permitimos seduzir, porque a tentação está dentro do tentado, é bom relembrar. Por isso nos conduz lentamente ao matadouro ou às cordas de uma armadilha do caçador que nos mata. Aí pode estar o ciúme, adultérios, rancores, disputas financeiras, inveja... E essas coisas apresentam alguma rota ao sagrado, como se Deus fosse um compromisso a ser cumprido e não um processo pleno de relacionamento. A rota diz: cumprido está o culto, então pode ir com a prostituta.
Por fim, a sabedoria volta à rua e grita. Sua voz se dirige aos filhos dos homens, aos simples, aos loucos, aos imprudentes, aos sensatos, aos cansados, aos aflitos, justos e injustos, bons e maus... A todos os que querem algo mais pleno e real da vida. “Ouçam a minha voz, pois falarei de coisas excelentes”!

Colorado do Oeste, 25 de Fevereiro de 2009.

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