sábado, 11 de julho de 2009

SOBRE O TEMPO DE UM RETRATO


Estive revirando algumas gavetas, jogando fora velhos extratos bancários, notas de compras e de dividas antigas, nada que merecesse ser guardado em algum canto da memória. Porém, no meio da arrumação, uma fotografia veio cair em minhas mãos. Um retrato, como bem se dizia no tempo dele, que me encheu de agradável e dorida surpresa. Lá estava eu, no começo da vida, e meus irmãos, todos eles, em dezembro de 1965, cada um com uma careta, um riso, algo para eternizar, e minha Irmã caçula com menos de um ano de idade. Ao fundo, um cobertor de algodão, belo e macio, perdido no tempo daquele retrato.
Olhei a imagem pleno de saudade e pensamentos. Mais de quarenta anos se passaram desde aquele dia. Onde foi parar tanto tempo? Onde couberam tantos dias? Em que espaço da minha vida ficou o esconderijo para tanto tempo? Olho para trás, desde aquele dia até hoje, e me ponho a sentir mais que pensar. Nada parece ter acontecido de tão grande a ponto de consumir todos esses anos. Se pudesse amontoar, cronologicamente, todas as lembranças, talvez não desse mais que algumas semanas. O tempo, porém, levou embora mais de quatro décadas.
O que aconteceu nesses quarenta anos que fez valer a pena vivê-los? Penso nas palavras de Cristo quando disse “Louco, esta noite pedirão a tua alma, e o que tens reservado para quem será”? É que, no fim, Deus sempre irá se referir à alma. É a única coisa realmente prestável que podemos construir. Aquele retrato suplicava por minha alma nesses últimos quarenta anos. E o que ficou? As coisas aparentemente menos relevantes, coisas simples como uma mangabeira na beira da estrada ou a estrada na beira do cerrado, alguns beijos, alguns toques, grandes amigos e a gritante pobreza em relação a Deus, por isso adorá-lo foi tão eterno. E teve os passeios com as crianças, o sono restaurador, um livro escrito... Coisas como essas fez cada minuto valer a pena.
É que os milagres verdadeiros não foram estrondosos. As coisas duráveis de Deus, aquelas que ficaram porque produziram mudanças, ocorreram no cotidiano das coisas caseiras. Os reais milagres são íntimos, por isso acontecem nos detalhes da alma. É um milagre amar, pedir desculpas, sonhar, espantar-se com o belo, admirar quem é próximo, se tornar menos defeituoso a cada dia e, nesse mesmo dia, reconhecer mais da própria miséria.
O tempo daquele retrato trouxe lembranças que não se joga da gaveta da memória. Serei sempre grato pelas dores e pelas belezas desse tempo, pelos anos de milagres cotidianos. Sou um adorador, ainda assombrado com a beleza de Deus. Isso é o que fica. Isso é o que fez valer cada dia de uma alma caminhante.


Colorado do Oeste, 13 de Maio de 2009

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