sábado, 11 de julho de 2009

UM CASEBRE NA BEIRA DA ESTRADA

Aconteceu nos idos tempos de menino. A pequena terra onde morávamos estava repleta de meninos das terras vizinhas. E, entre meninos, sempre tem um sabido. E foi esse sabido quem falou do tesouro dos muricis. Um lugar distante, não sei se léguas ou quilômetros apenas. Pois o sabido nos desafiou e fomos na busca da maior riqueza: os muricis grandes, que eram fartos na terra vermelha do cerrado perto da ponte do rio.
No caminho passamos por um casebre, desses de beira de estrada, que eu já conhecia. Uma bica de água no quintal, que se via pela porta aberta, uma mulher escorada no umbral, um banquinho de três pernas, um cachorro magricela e um menino rindo a toa para os passantes. E passamos, e eles ficaram. Eu dizia comigo mesmo: “Que vidinha enfadonha eles têm, nem mesmo podem saber que estamos indo em busca de um tesouro”...
E o murici, doce e ácido, na terra distante do cerrado, trouxe sede. E ela foi tanta que já não havia nenhum sabido no meio dos moleques. Pegamos a estrada de volta e o sol do meio dia cobrou o entusiasmo daquela expedição. Eu pensei que não podia mais e então me lembrei do casebre, do cachorro magricela, o menino rindo, a mulher, e a bica d’água... Ninguém se lembrava disso. Porém, ao chegarmos lá, fui até a mulher e pedi para beber. Ela riu, mostrando o tesouro que tinha: a bica e água em abundancia. Deu também uma palavra: “beba você e todos os outros. Bebam à vontade”!
Até hoje não sei qual tesouro foi maior. Se o murici grande da terra vermelha ou se a água no casebre com aquele menino, aquela mulher e o banquinho roto... É que Deus deixou sinais como esses no espírito humano. Somos caçadores. Nossa alma é como um menino aventureiro, sempre procurando tesouros. Às vezes erramos o caminho e não percebemos que a maior riqueza está no meio do percurso e não no final, ou mais próximo do que poderíamos imaginar. Essa procura da alma não tem fim. Por vezes nos fixamos no tesouro de longe e nos perdemos nas coisas próximas, aquelas mais simples como a bica d’água, essas coisas que realmente fazem toda diferença entre alguém mais feliz ou menos feliz, coisas essas que são bem mais aquém do que além.
Isso são sinais de Deus. Aquela caminhada é uma parábola de nossas almas procurantes por Deus e por amor. Mesmo que encontremos o tesouro de lá, Deus faz parte dessas coisas que são de cá. Entre essas coisas estão os beijos, o tempo despretensioso e a oração. Aquele casebre será sempre uma tatuagem do que é vital e que passamos por ele sem ver porque temos os olhos nos tesouros de além. E aí vem o sol, a sede, a distancia para voltar...
Deixe-se capturar por essa metáfora. Sem água, o murici virou desespero. Para onde iremos com os nossos tesouros se não enxergarmos a água viva, se não abrirmos a boca para os beijos daqueles a quem amamos, se seguirmos sem o tempo despretensioso? Tudo é uma figura do que somos e, a estrada, é um desenho da caminhada pela alegria de dentro, aquela que nossa alma mais procura.



Colorado do Oeste, 02 de Abril de 2009.

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