sexta-feira, 16 de março de 2012




Susto na Trilha
Para falar de apaixonar e desapaixonar





Lá se vão alguns anos... Tempo de uma gritante liberdade! O dia morria e eu caminhava rápido pela trilha no meio da floresta boliviana ribeirinha. Estava só e cismado. Ouvira muitas histórias de onças por aquelas bandas. Era nossa última tarde dos vinte e tantos dias que passamos naquele pequeno povoado. Não me lembro porque eu estava só, sei que a hora me surpreendeu e vi a noite se aproximando, então, corri, temendo a escuridão e as onças...
Ah, lá se vai muito tempo!... Tempo de um grupo de jovens que deixaram sua terra e vieram aventurar-se nas florestas do Guaporé, procurando vidas para partilhar fé e amor. Eu pensava nessas coisas e apressava o passo temendo as sombras e os bichos. Foi sob imensas mangueiras plantadas na beira do caminho, bem onde a penumbra cobria as ultimas réstias de luz, que despencou do alto da galhada, bem à minha frente, uma figura humana. Eu, paralisado pelo susto, e, ele, cabelos lisos, peito nu, olhos costurados... Um Colha, pernas trôpegas ao baile da cachaça...
Despencou em minha frente... Porém, tinha olhos súplices e abriu a boca, dela vieram palavras carregadas de um hálito horrível (humano) e de um pesar maior que a escuridão que eu temia. “por que não posso livrar-me da cachaça”? Perguntava ele no castelhano típico do interior da Bolívia. Eu respondia no melhor do espanhol aprendido nos bancos da faculdade (quanta diferença daquilo que era falado ali). Ele insistiu na pergunta por três ou quatro vezes “Por que não posso livrar-me”? Eu já ficava temeroso e rebuscava o máximo do castelhano que podia... Foi quando o Espírito Santo sussurrou aos meus ouvidos: “Fale com ele sobre paixões”!
Ah, que palavra dolorosa, de tanto tempo e tantas pessoas!... A verdade brutal daquele homem é a mesma de todas as pessoas, de qualquer raça, credo ou localização geográfica. Amado e perdido. Não há distinção de classe social, cultural ou tradições. Todas as pessoas sofrem do mesmo mal. Aquele ribeirinho não se libertava pelo mesmo motivo dos tantos escravos que vejo hoje: ele estava apaixonado pelo seu algoz! Que verdade insana e que paradoxal isso é, amar o que lhe mata. De que valia eu dizer que a cachaça era amante ingrata , que abraça de um lado e apunhala do outro? De que vale dizer isso ao adúltero, ao que mente, ao ressentido, o ciumento (a lista não tem fim)... Que essas práticas são prostitutas, engambelam de um lado e estraçalham do outro... De que adianta se as pessoas estão apaixonadas por elas? Como é custoso desapaixonar alguém!
Falei dos desejos com aquele homem. Ouviu-me, chorou e, naquela ultima noite, decidiu tornar-se cristão. Ainda estava bêbado, é verdade, e nunca mais o vi. Porém, se ele tinha o mesmo “problema” de todos os humanos, tinha também a extraordinária possibilidade de cura. É possível desapaixonar... Que conceito exuberante! É que a vontade de Deus é o reencontro da pessoa consigo mesma e a restauração da chaga cancerosa produzida pela paixão prostituta, fazendo a pessoa encontrar o amor. Aí a coisa é verdadeira: Cristo. Assim é, apaixonar-me pelo que me trás vida e não pelo que a rouba de mim.
Ah, tempo de lindas paixões aquele... E quanta vida me deu!

Paz e a gente se encontra pelos sustos que a vida nos causa!


Eliel Eugênio de Morais
Pastor

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