quinta-feira, 22 de março de 2012













ENTRE ESTEVÃO E A CHAPADA

O livro de Atos me pareceu, de repente, nostálgico, uma linha poética de uma coisa surpreendente e que pode ser perdida. O martírio de Estevão é, contraditoriamente, triste e belo. Triste pela morte dolorosa, mas, belo pela liberdade exuberante de seu ato. É aí que o livro fica nostálgico, em sua liberdade apavorante e convidativa. Tive as duas coisas e me explico.
Atos ficou assim por conta do ocorrido numa conferência recente da Missão em Goiás. Supliquei um encontro com os antigos do Renascer, aqueles que partilharam a primeira semente e sonharam as primeiras fagulhas. Éramos como Estevão, “martírios” no último ano da faculdade de teologia, plantadores de liberdade... Ah, que liberdade foi aquela, em que canto de nossas almas se escondeu? Hoje todos são pastores, todos rindo, falando, lembrando... Mas os olhos deles, ah, os olhos! Esses denunciaram um Estevão mártir esperneando dentro de nossas condutas domesticadas. Foi o encontro mais belo e dorido que já tive. Ainda somos “Estevão”... Comemos, rimos e nos olhamos, mas ele estava lá, flertando com nossas almas. Supliquei que voltassem a sonhar, onde foi parar a gritante liberdade dos primeiros sonhos? Quem nos domesticou? E para que?
No caminho de volta, ainda com o pensamento digladiando com a martiria e a domesticação, passamos por Vila Boa, só para me insinuar um pouco mais com a poesia. De lá, seguimos para a Chapada dos Guimarães, o meio do caminho, lugar para dormir antes de seguirmos para Rondônia. Lá, voltei à dialética com Estevão. Era o fim da tarde e fomos mostrar a uma amiga o mirante da Chapada. O horizonte azul, as serras azuis, lembranças azuis... E, lá em baixo, não sei há quantas centenas de metros, um cinturão verde coberto por uma nuvem branca. No começo pensei que fosse água, depois ela se moveu tocada por uma brisa, como um gigantesco floco de algodão subindo as encostas do penhasco até chegar onde estávamos. Bela, gentil e tranqüila, nos envolveu. Gritamos de alegria e espanto. A beleza espanta e acorda a alegria dormente. Como podia haver beleza tal? De repente era noite dentro dela e frio. Durou poucos minutos, mas o suficiente para se eternizar, dessas coisas que suplantam a cronologia e ficam pela marca que fez, como um poema ou uma tela, quem sabe um cochicho de terra mui remota.
Foi assim que ouvi os cochichos do livro de Atos, duas coisas numa só. A reunião dos endividados pela domesticação, mas livres e apaixonados pela martiria, é a mesma coisa acontecida na Chapada. Ambas vêm de Deus. A experiência no penhasco pode ser uma profecia do que foi e do que virá: uma liberdade imensurável, eternizada na intimidade com o Espírito Santo. Afinal, somos mesmo menos estragados como flores silvestres do que como plantas de jardins. A chapada (e os olhos) mostrou quanta grandeza pode haver em poucos minutos de liberdade (martiria?), ainda mais quando esses podem se eternizar. Pastor domesticado é planta de jardim, coisa para se ter dó, nunca terão o que teve aquelas minúsculas flores no penhasco. As coisas se eternizam na experiência (beleza) e não na educação, essa invisível dívida (beleza) entre Estevão e a Chapada.

Paz e a gente se encontra pelas entrelinhas de Atos e as nuvens perdidas da Chapada dos Guimarães...

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

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