segunda-feira, 5 de julho de 2010

UMA DERROTA DE REQUENGAR CUSCO



Dizem que futebol é coisa para se gostar, não para filosofar. Eu vi o sonho na imaginação de muita gente. Andei pela cidade antes do fatídico encontro com os holandeses e andei depois. Quanta diferença! Nada poderia unir e fazer vibrar um povo daquela maneira, e depois, logo depois, silenciá-lo. Eu, que senti a paixão de perder, visto que paixão é contusão da alma, me pus a pensar no futebol, em coisas que sempre soube, mas que somente agora parei para dissecar. Então separei três pedaços e partilho o sabor deles assim.
O primeiro pedaço é a perda. Foi mesmo uma derrota de requengar cusco. Minha pequena derramou-se num choro comovido no instante mesmo do gol alaranjado da Holanda. Depois, à noite, quando andávamos pela rua, ela disse que foi a primeira vez que havia chorado por causa do futebol, e perguntou: “Isso vai se repetir”? Então, não é que o futebol tem algo sério a nos dizer com isso? Aprender a sentir as derrotas, até porque todos, sem exceção alguma, irão experimentá-la, porém, como dizia o locutor, “é só um jogo de futebol”. Mas tem a transliteração. A vida tem perdas mais sérias e reais. Pessoas se vão, fortunas se perdem, amores são partidos... E a alma é vítima de tudo isso. Lidar com a perda é mais pedagógico que usufruir a alegria de vencer. Ninguém vence sempre. Esse é o primeiro pedaço.
O segundo é irônico e é cruel. Pus-me a ver argentinos e brasileiros num duelo de quem faz maior a dor do outro. Lembrei-me da infância e dos fogões a lenha, tinha aqueles cães sarnentos no borraio do fogão, deitados na cinza e mordendo a ferida um do outro. Que figura cruel do ser humano. Muitos estão assim, fora do campo de futebol, como o argentino e o brasileiro, camuflando a própria dor, na esperança de que a dor do outro seja maior, e que isso, de alguma forma, amenize seus próprios flagelos. Que miséria, que tristeza! E pensar que isso se repete dia após dia, por meses, anos... Eu disse que esse pedaço era cruel, mas é real, porque tem gente comendo a dor alheia como se isso fosse paliativo para a sua.
Chegamos então ao terceiro pedaço. Talvez o futebol não seja mesmo coisa para filosofar, porém, é apaixonante e, onde tem paixão, a alma está envolvida. Penso no seguinte: vi as pessoas na rua em um sentimento ímpar de brasilidade, como nenhuma outra coisa podia produzir. Se isso é bom ou mal, não é a questão. A questão é pensar que coisas mais sérias não provocam o mesmo envolvimento e interesse. Perder a copa não altera nada no país, mas a perda de valores, dinheiro, escola e religiosidade, sim. Veja só, eu sei de pessoas que vestiram amarelo e choraram a dor da derrota porque são brasileiros, porém, descarregam os esgotos de suas casas nos igarapés da cidade e não sentem nada por isso, aliás, ainda falam de “patriotismo”. Há líderes políticos que surrupiam os cofres públicos, desviam dinheiro da saúde, há pessoas que dirigem na contra mão, furtam, subornam, fofocam, são irresponsáveis com a educação e com a religião, mas vestem a camisa amarela e choram a dor de uma partida de futebol. Quanta miséria, quanto engano e hipocrisia. Futebol é só uma paixão, não cidadania. Fico pensando se é verdade que isso não é mesmo uma coisa para se filosofar. Se pelo menos entendessem que se interessar pelo país está um pouco além das quatro linhas.
Ah... Só para terminar, é que eu fiquei mesmo perdido como cusco em procissão, depois do jogo. Que dor ingrata, que descompensação, mas foi só uma paixão cigana, nada mais. Nada contra o futebol, tudo contra a cegueira.

Paz para você e a gente se encontra pelos campos de camisa amarela...
Eliel Eugênio de Morais
Pastor
Colorado do Oeste, 05 de Julho de 2010.

Um comentário:

  1. Bueno, sin duda...
    Pero que és bueno mirar los hermanos perder...
    Sin duda que éres...
    Mas tarde nos miramos en las canhcas de la vida...

    ResponderExcluir