terça-feira, 24 de agosto de 2010

A vida na ponta dos dedos


Agosto é o mês do desgosto, tempo do inverno, das queimadas e secura, tempo das flores roxas e do ipê amarelo. Se, para alguns, agosto surge como tempo de desgosto, para mim são dias de encanto e poesia. É que amo o inverno por ser o tempo que mais se parece com as pessoas. Oscila entre a sequidão e a beleza, como nossas almas e nossos corpos, e é breve, como tudo em nós.
Ela tinha treze anos e foi embora no segundo domingo de agosto, bela e macia, fugaz, como o amarelo que encontro em todo lugar. Que partida estúpida, que dor atroz! Porém há, como no contraste do meu querido inverno, uma pétala de sabedoria esvoaçando, machucando o coração dos adultos que não se perdoam e dos adolescentes que não acreditam que o fim pode vir para alguém tão jovem e, dessa maneira, estraçalhar a beleza. Nós, adultos, não podemos conviver com a colheita prematura, pois pensamos que nossa missão é proteger os que ainda crescem. Por outro lado, os adolescentes também se assombram com a possibilidade real do fim, e isso lhes parece cruel.
Então, sob os ventos que cantam as canções da extraordinária fragilidade humana, olhando para ela adormecida, duas flechas do tempo vazaram a minha consciência. Como bem diz a velha escritora, o tempo é uma sucessão ininterrupta de primaveras e verões, outonos e invernos... Ainda bem que o inverno sempre volta! Eu via no rosto, agora eternamente dorminhoco, as flechas desse ciclo que queima e refrigera ao mesmo tempo. De um lado, nós, os adultos, e a sensação impotente de amar. Eu via e pensava – O que se pode pensar diante da morte? E diante de alguém que se vai tão prematuramente? Uma coisa só: quanto perdemos com zangas e rabugices, quanto sopramos vento afora não dando tempo às palavras e beijos!... Sei que todos, numa mescla de medo e alívio, pensavam na própria carne e nos próprios filhos, todos pensavam que não suportariam um inverno tão cruel, uma separação tão abrupta. Não é egoísmo sentir isso, pode até ser sabedoria se enxergamos a questão do que estamos deixando o vento levar. A segunda flecha me falou dos adolescentes e a questão também foi o tempo. Os vi abraçados e partidos pela perda. É cruel ver pessoas jovens sofrerem uma perda relevante. Porém, outra vez aí pode nascer sabedoria. A possibilidade do “breve” deveria fazê-los enxergar que precisam esvaziar suas almas das coisas medíocres que os tem tomado. Não me refiro às conversas triviais, ao riso e aventuras, essas coisas podem ser mais úteis do que muitos querem ver, falo das zoeiras que os tem empanturrado de superficialidades naquilo que nenhuma pessoa pode ser rasa: amor, relacionamentos, arte e Deus. O corpo de treze anos, dormindo para sempre, foi um grito poderoso de sabedoria e dor... E muito amor ao tempo dos adolescentes que a viram. Bem que a escritura diz que a primavera da vida é fugaz!
Por fim, o inverno vai cumprindo seu curso e o mês de agosto está indo embora. Desgosto? Só isso? Não... Veja os ipês, ainda estão floridos... Assim é você e sou eu. Tudo indo sem parar e aí reside a sabedoria de compreender o que disse a menina, deitada e bela, enquanto ia embora sem poder regressar: “vocês, adultos e adolescentes, têm o que não mais tenho”. E Cecília disse que aos treze anos é que a gente sente a vida na ponta dos dedos...

Paz para você e que a gente saiba usar o tempo que ainda nos resta...

Eliel Eugênio de Morais
Pastor

2 comentários:

  1. Nine... Pensei na imagem de um ipê para falar de sua partida, mas essa nuvem indo embora na forma de amor, falou mais de você.Saudades e amor, sempre!

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  2. Seria simplesmente mais um lindo texto se nao fosse tudo tão real, a dor quando não é só dos outros tem outro valor, ver a dor tão de perto me faz refletir...Quanto tempo tenho perdido!!

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