sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

SOBRE UM LIVRO DOLORIDO





Acabo de ler um livro que me deixou dolorido por alguns dias. Sua última frase foi: “O ser humano me assombra”. O autor talvez não saiba, mas esse dito vem de muito tempo. O Rei Davi falou dele: “De um modo assombrosamente maravilhoso fui formado”. Li outro livro, menos dolorido e nem por isso menos reflexivo, em que o autor, longe de ser poeta, disse que somos feitura de Deus. A palavra feitura é poiema, da qual vem o vocábulo poema. O que esse segundo autor quis dizer é que Deus é um escritor e nós somos seus escritos.
Então, falo eu. Escrever é ter sons na alma. A gente escreve sobre aquela falta íntima. O escritor vive da procura. Então, é necessário perguntar: quais sons Deus plantou em nós? Quais os sons da sua alma? O que ele escreveu? A dor humana é a falta dessa escritura? Escrever é diferente de falar. Escrever exige textura, concisão, inclui personagens, trama e movimento. Então, Deus está certo. Somos composição de uma textura única, personagens, tramas e dramas, movimentos...
Isso é um modo de se explicar a alma. Os sons são os gritos lá de dentro, as coisas invisíveis, talvez, marcas incontestáveis da escritura de Deus. Sempre iremos dar na mesma porta: gritamos de amor (ah, que belo e maravilhoso grito!), gritamos de tristezas, de solidão e alegria. Mas tem uma diferença. Os mais plenos, terão gritos ou sussurros de adoração e significado, mesmo os mais humanos deles. Já os mais vazios, uivarão por suas vidas medianas e lamentarão o charco da falta de significado. O escritor do Novo testamento diz que a alma tem cheiro. Aí tem que vir a pergunta outra vez: tem cheiro de quê? Os escritores sagrados falam de um cheiro precioso vindo de verbos como quebrantar-se e render-se e de um odor indesejável nascido de termos como a avareza, idolatria e, talvez, o pior deles: orgulho. Presença de uma coisa e falta de outra.
O escritor do livro dolorido está certo. O ser humano é assombroso. E eu digo que nossas almas têm cheiro e somos mesmo uma composição mais abstrata que concreta. O que assombra é que somos capazes de aromas e histórias preciosas e, instantes depois, entregarmos nossas almas a um charco de lodo e fedor com histórias sangrentas. Isso provoca outras duas perguntas: qual é seu cheiro e qual sua história?
Voltemos à escritura sagrada, que é a maior conselheira das almas errantes e daquelas que já não são tão errantes assim. Deus pegou um mundo sem forma e vazio e deu a ele forma e significado. Isso é beleza. Está no gênesis. Isso é uma figura do Espírito Santo na sua relação com a alma humana. Dizem que só entende um escritor quem o conhece e que não tem pressa de conhecê-lo. É outra figura do tempo de Deus conosco. Ele não será conhecido na pressa e nem em nossas intermináveis reuniões. Dizem também que o trabalho (que doce ocupação!) do poeta á harmonizar palavras. Não é isso o que o espírito Santo faz em nosso interior?Ele harmoniza o que está em desarmonia. É por isso que a dor de organizar esses gritos internos se torna nada diante da beleza final de sua obra.
Por fim, eu digo outra vez, uma página pode ser escrita no sofrimento, outras vezes ela vem da escuridão e muitas delas vêm da solidão. Porém, conhecendo o autor da vida e pensando na figura do cheiro e dos sons da alma, tomo a certeza da escritura sagrada. O fim da cirurgia do Espírito Santo sempre será harmonia e beleza. É isso que ele procura. É por isso que nos escreveu.

Então, a gente se fala pelos escritos que nossa alma procura!


Eliel Eugênio de Morais
Pastor

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